MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O consumismo destrói o sagrado

“Natal. Missa do Galo. O sapatinho dos minúsculos pés, atrás da porta... Castanhas, nozes, avelãs e vinho. Consoada muito farta que, só de olhar, nos conforta” (Poeta Luís Carlos). Isso, para quase toda gente, diria, excetuando os miseráveis, que não são celebrantes! Para as pessoas mais abastadas, que festejam o natal, a grande festa cristã fica limitada a dois grandes ritos: comprar, de maneira mais ou menos compulsiva, objetos úteis ou não, e empaturrar-se pantagruelmente a si e às pessoas da sua intimidade, numa mistura indestrinçável de sentimentos em que entram igualmente a vontade de dar prazer, a ostentação e a necessidade de se divertir...

É bom que não nos esqueçamos dos pobres pinheiros, símbolos antiqüíssimos que são da perenidade do mundo vegetal, sempre verdes, geralmente trazidos dos bosques para acabarem morrendo em nossas casas... Embora não sendo católico (exceto de nascimento e de tradição), nem protestante (exceto por algumas leituras e influências de alguns grandes exemplos, (caso da companheira das minhas vicissitudes, minha esposa), nem mesmo cristão no sentido pleno do termo, nem por isso me sinto menos levado a celebrar esta grande e maravilhosa festa humana tão rica de significados e o cortejo de outras festas consideradas menores como a páscoa, por exemplo, mas também de cunho religioso.

Mas limitemo-nos ao Natal, esta festa que deveria ser de nós todos. Trata-se de um nascimento, de um nascimento como todos deveriam ser o de uma criança esperada com amor e respeito, trazendo em si as esperanças do mundo. É de bom alvitre que não nos esqueçamos da catástrofe que tem assolado os nossos irmãos catarinenses, paulistas, mineiros, etc, que perderam os seus familiares, suas casas, seus pertences, ficaram sem comida, sem agasalho... E provavelmente, sem nenhuma esperança. Quando comprar brinquedos caros para os seus filhos, pense nas crianças destes lugares que neste momento, de infortúnio, ficariam muito felizes com um brinquedo mais simples do mundo! Se preferir, mande uma lata de leite, que é melhor, porque, com a barriga cheia, eles próprios fazem seus brinquedinhos!

É verdade que ás vezes a extroversão é eficaz e construtiva, mas não seria conveniente que ela fosse em proporção ao grau de problemas que se teve ao longo de todo ano! No entanto, dever-se-ia festejar o Natal com muita solidariedade, com muito amor ao próximo e isso, creio, estar acima de qualquer dogma religioso. Lembro-me de uma velha balada francesa que canta Maria e José procurando timidamente em Belém uma hospedaria para as suas posses, sempre desprezados em favor de clientes mais ricos e reluzentes e por fim insultados por um patrão que detestava a ‘pobralhada’.

É por isso que é a festa dos homens de boa vontade, como dizia uma admirável fórmula que infelizmente já nem sempre se encontra nas versões modernas dos Evangelhos, desde a serva surda-muda que ajudou Maria no parto, até ao José aquecendo as fraldas do recém-nascido diante de um pequeno fogo, aos pastores cobertos de sebo, mas julgados dignos da visita de anjos.

É festa da comunidade humana, porque é, ou será dentro de dias, a festa dos três Reis, cuja lenda quis que um fosse negro, alegoria viva de todas as raças da Terra, levando ao menino a variedade dos seus dons. É a festa da alegria, mas também da dor, pois a criança hoje adorada será amanhã o Homem das Dores. É festa da saudade. Saudade do familiar ou amigo que tenha morrido recentemente e que nesse dia – considerado da família – será lembrado pela sua triste e irreparável ausência.

É enfim, é uma festa que nos ícones da Europa do Leste que vimos tantas vezes prosternadas a entrada da gruta onde o menino nasceu a mesma Terra que na sua marcha atravessa neste momento o ponto do solstício de inverno e nos arrasta a todos para a Primavera. Por esta razão, antes que a Igreja tivesse fixado o nascimento de Cristo nesta data, ela era já nos tempos antigos, a festa do Sol. Parece-me que não é mal lembrar estas coisas que toda a gente sabe e que tantos esquecem. Feliz Natal!

Publicado na minha coluna “Palmensis Mirabilis” em 06-12-09