MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Biografia de Castro soromenho

Nascimento. Fernando Monteiro de Castro Soromenho nasceu em 31 de janeiro de 1910 na vila do Chinde, na então província da Zambézia da Colônia de Moçambique, África Oriental Portuguesa[1]. Foi o terceiro de sete filhos de Artur Ernesto de Castro Soromenho (Porto, 1878 – Lisboa, 1944) e de Stella Fernançole de Leça Monteiro de Castro Soromenho (Porto, 1884 – Lisboa, 1964).
Artur Ernesto de Castro Soromenho. Nascido em 10 de novembro de 1878, Artur Ernesto, seguindo as tradições familiares, frequenta o Colégio Militar, nos anos 1890. Após concluir o curso, abandona a perspectiva da carreira militar e pretende estudar direito. A família opõe-se a esse projeto e ele decide ir para a África. Por volta de 1897-98, embarca para Moçambique, onde conhece o conde de Streecky, um influente empresário estrangeiro com interesses na região da Zambézia, em cujas empresas trabalha como executivo. Nessa região, na cidade de Quelimane, Artur e Stella casam-se em 1906.
Stella Fernançole de Leça Monteiro, nascida no Porto em 8 de setembro de 1884, era filha de Manuel do Sacramento Monteiro[2], que posteriormente viria a ser Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Portugal. Manuel era natural de Cabo Verde (Ilha do Fogo) e descendia de famílias portuguesas radicadas no arquipélago havia várias gerações.
Em 1908, após uma breve permanência em Luanda, Artur Soromenho retorna a Moçambique onde desempenha o cargo de Secretário da Intendência na vila do Chinde. Em 1911, regressa a Angola sendo nomeado Administrador da Circunscrição Civil de Campangombe. De 1912 a 1921, exerce o cargo de Administrador do Huambo. Nos anos de 1921 a 1933, assume os cargos de Governador dos Distritos de Congo, Huila, Bié, Mochico e de Lunda e de Secretário Geral de Angola (interino), Secretário Provincial da Agricultura (interino) e Secretário Provincial de Colonização (adido).
Artur Ernesto de Castro Soromenho
Com a institucionalização do Estado Novo português, em 1933, começa o expurgo dos funcionários republicanos. Artur Soromenho é enviado de licença a Portugal. Posteriormente, é reformado num posto inferior ao de sua posição na hierarquia da administração colonial.
O Despacho Confidencial n. 7.853 da Presidência do Conselho[3], assinado por Oliveira Salazar, permite identificar os motivos do expurgo. Após elogios à carreira de A. Soromenho, consta: “Assim deve ser ouvido acerca do espírito que o anima quanto à orientação da nova ordem de cousas, e portanto: 1º. se fez compromisso de fé pró estado novo; 2º. se está filiado na União Nacional organismo de defesa nacional. Não é bastante ser-se funcionário com aquelas características; é necessário saber com absoluta segurança, se elas se podem adaptar ao novo sistema de governação para a solução final”. Artur Soromenho, em carta ao Chefe do Gabinete da Presidência do Conselho, de setembro de 1936, respondeu lembrando que, segundo o que o próprio presidente do conselho havia escrito no Estatuto dos Funcionários Públicos, “os funcionários do Estado, seja qual fôr o seu credo político, não estão ao serviço dos partidos, mas da Nação” [4].
Após a morte de Artur Ernesto de Castro Soromenho, em 1944, o elogio à sua carreira administrativa foi feito por Norton de Matos em “Um grande administrador de circunscrição de Angola” (O Primeiro de Janeiro).
Infância e juventude em Portugal e África. Com menos de dois anos, Castro Soromenho vai para Angola (Huambo). Por volta de 1916, quando tinha seis anos, seus pais decidem enviá-lo a Portugal, junto com seu irmão Nuno, dois anos mais novo, para cursar o ensino primário e secundário como aluno interno num colégio localizado no Sardoal[5]. Vive em Portugal até aos 15 anos e conclui o quinto ano do liceu.
Stella Fernançole e filhos (Castro Soromenho é o menino à direita)
Em 1925, regressa a Angola vivendo no distrito da Huíla durante dois anos e cursa a Escola Primária Superior “Artur de Paiva” (uma espécie de complementação do liceu que deixara incompleto em Portugal), onde foi aluno de Gastão de Souza Dias.
Em 1927, trabalha como funcionário numa agência de recrutamento de mão-de-obra da Companhia dos Diamantes, em Vila Luso, Distrito de Moxico. Permanece menos de um ano nesse cargo. Ingressa no Quadro Administrativo de Angola e exerce os cargos de Aspirante e de Chefe de Posto, funções que manteve até aos 27 anos de idade.
Nesse período, Castro Soromenho passou a maior parte do tempo nos sertões do leste de Angola (Luchazes, Moxico e Lunda) e fez, provavelmente, diversas viagens a Portugal, sendo certo que uma delas ocorreu em 1931, ano do falecimento do seu avô materno. Devido à falta registros oficiais dessa fase de sua vida, é difícil identificar com segurança as regiões nas quais ele serviu. Mas no relatório Distrito da Lunda[6] (que se refere ao período de 1931 a maio de 1933), Castro Soromenho consta na “relação do pessoal administrativo colocado no distrito da Lunda, Circunscrição de Saurimo”, como “Aspirante”.
Nos sertões de Angola, Castro Soromenho dedica-se ao estudo da vida dos nativos, dentro dos padrões de sua cultura, e a questões coloniais. O interesse pela etnografia dos povos africanos persistiria ao longo de toda a sua vida.
Castro Soromenho em Angola
Castro Soromenho em Angola
Aos vinte e dois anos de idade, ainda quando vivia nos sertões, escreve seus primeiros contos, entre os quais Aves do além que é publicado no jornal Ultima Hora em abril de 1934. Esses contos seriam posteriormente reunidos no primeiro livro do escritor,Nhárí, de 1938.
Em 1936, renuncia à carreira administrativa, contra a vontade de seu pai, por incompatibilidade profissional e ideológica. Nessa decisão devem ter pesado também motivos de saúde, pois Castro Soromenho foi asmático desde os dois anos de idade.  Fixa-se por pouco tempo em Luanda onde trabalha como jornalista no Diário de Luanda e colaborador do Jornal de Angola. Nesse ano de 1936, é publicada sua primeira coletânea de contos, Lendas Negras, nos Cadernos Coloniais, n. 20. No começo de 1937 (ou no final de 1936), Castro Soromenho vai para Portugal e jamais retornaria a Angola.
Portugal. No início de 1937, logo após a chegada a Lisboa, o escritor emprega-se no jornal Humanidade e, um mês depois, é nomeado chefe de redação. Nesse ano, ocorre a primeira tradução de um trabalho do escritor: o conto Os embaixadores à corte do além, que fazia parte da coletânea Lendas negras, é publicado em francês pela revistaJeunesse-Magasine.
Em dezembro de 1937, Castro Soromenho viaja ao Brasil como correspondente especial do Humanidade e estabelece relações com diversos intelectuais brasileiros. Pouco meses depois, o jornal é suspenso pelas autoridades portuguesas e seu diretor Viana de Almeida demitido[7].
O escritor retorna a Portugal em meados de 1938. Sem conseguir uma posição efetiva na imprensa portuguesa, trabalha como correspondente do jornal literário Dom Casmurro do Rio de Janeiro, Brasil. Em 1940, entra para um jornal como repórter e publica trabalhos em diversos jornais e revistas, entre os quais, Jornal da Tarde (Lisboa), A Noite (Lisboa), O Mundo Português(Lisboa), O Século (Lisboa), Diário Popular (Lisboa), Seara Nova (Lisboa), O Primeiro de Janeiro (Porto) e O Diabo (Lisboa). A maior parte desses trabalhos trata de etnografia e história africana e colonial e literatura portuguesa e brasileira[8].
A carreira de escritor, que se iniciou com Aves do além (1934) e Lendas negras (1936), prossegue com Nhárí (contos, 1939),Noite de angústia (romance, 1939), Homens sem caminho (romance, 1941), Rajada e outras histórias (contos, 1942).
Castro Soromenho publicou o primeiro livro, Nhárí, com certa relutância, pois duvidava das qualidades literárias desses contos. O trabalho recebe o Prêmio de Literatura Colonial e e é bem acolhido pelo público, mas o escritor jamais permitiu sua reedição. Segundo Mourão, Furtado e Valente (1988, p. 166), o autor admitiu, mais tarde, “que com Noite de Angústia nasceu o ficcionista”. O livro Homens sem caminho foi inicialmente apreendido devido a certas cenas que a censura considerou demasiado eróticas. Após serem sacrificadas as partes censuradas pelas autoridades, o livro obteve o 1º prêmio de Literatura Colonial. Rajadatambém obteve um prêmio de Literatura Colonial, em 1943, e esse foi o último concurso de literatura colonial a que o escritor concorreu. Ainda em 1943 e 1944, Castro Soromenho publicou outros três livros sobre viagens e história colonial: A aventura e a morte no sertão (1943), Sertanejos de Angola (1943) e A expedição ao país do oiro branco (1944).
No final 1943, Castro Soromenho abandona o jornalismo profissional para se dedicar exclusivamente à literatura. Em 16 de Maio de 1944, morre o pai do escritor, em Lisboa. Nesse ano, Castro Soromenho publica Mistérios da terra: mucanda, cangongo (um estudo sobre o ritual da circuncisão entre os Quiocos), começa a escrever Calenga, livro de contos, que é publicado no ano seguinte, e Terra morta, que conclui em 1945. Nesse mesmo ano, o livro, em cumprimento de disposições vigentes, é enviado à Comissão de Censura e volta com a chancela de “Proibido de editar-se”. Terra morta marca o início da segunda fase literária da obra do escritor, que trata dos efeitos da colonização portuguesa.
A respeito dessa segunda fase, que se aproxima do neo-realismo, disse Castro Soromenho, em entrevista a Fernando Mourão[9]: “… depois de reviver [em Portugal] a minha vida de Angola, fazendo tábua rasa de idéias feitas e dando-me conta de erros de interpretação originados pelo clima social vivido desde a infância numa sociedade em formação, heterogênea pela sua própria natureza (…) Colocado, no tempo e no espaço, numa posição que possibilitou novas perspectivas, o homem e a sua vida, a terra e o meio social revelaram-se na sua forte autenticidade. (…) Desde que nos meus romances surgiram novas realidades sociais e se me apresentaram as suas contradições, logo se me impôs, naturalmente, uma nova técnica – e um novo estilo literário. O neo-realismo teria de ser o novo caminho”.
No ano de 1946, sai em fascículos a Maravilhosa viagem dos exploradores portugueses que viria a ser publicado em livro somente no final de 1948.
Em 1948, Castro Soromenho é encarregado, juntamente com os escritores Adolfo Casais Monteiro e António Pedro, da propaganda eleitoral no rádio do General Norton de Matos, candidato oposicionista à presidência da República. O programa de rádio não pôde ir ao ar e Norton de Matos desiste da candidatura por falta de condições políticas. Nesse mesmo ano, o escritor faz sua primeira viagem à França.
Em 1949, Castro Soromenho embarca para o Brasil como correspondente do Diário Popular. No Rio de Janeiro, o escritor acerta com o editor Arquimedes de Melo Neto, que dirigia a Casa do Estudante do Brasil, a publicação de Terra morta e a constituição de uma editora que viria a ser denominada de Sociedade de Intercâmbio Cultural Luso-Brasileira.
Em seguida, parte para Buenos Aires, onde em 23 de maio casa-se com Mercedes de la Cuesta (Berna, 1920 – Buenos Aires, 1983), então funcionária do ministério das Relações Exteriores da Argentina. Castro Soromenho conhecia Mercedes desde 1937, quando a sua futura mulher,  que era filha do Cônsul da Argentina em Portugal, tinha 17 anos e residia em Lisboa.
Mercedes de la Cuesta aos 17 anos
Após o casamento, o casal volta para Lisboa e Mercedes obtém uma transferência para a Embaixada da Argentina em Portugal. Na primavera de 1950, o escritor e sua mulher viajam para França aonde nasce o primeiro filho Fernando Waldemar em Neuilly-sur-Seine, nos arredores de Paris. O casal teve mais dois filhos: Stella Susana (Madrid, 1952 – São Paulo, 2006) e Jorge Eduardo (Lisboa, 1955).
Sob a direção literária de Castro Soromenho, a Sociedade de Intercâmbio Cultural Luso-Brasileiro, publica, entre outras obras, uma edição de Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, com edição literária de Adolfo Casais Monteiro. A editora é dissolvida pelos sócios pouco depois, e o escritor funda, em 1953, a Editorial Sul. A nova editora é formada em sociedade com seu cunhado, Raúl Mendonça (residente nos Açores e casado com Alda Monteiro de Castro Soromenho) que aparece, nos documentos oficiais, como sendo o responsável pela empresa, pois o escritor sabia que as autoridades não permitiriam o funcionamento da editora se o seu nome figurasse nos documentos oficiais. Entre as diversas obras lançadas pela Editorial Sul, destacam-se: O românico em Portugal, 1955, de Reynaldo dos Santos, História trágico-marítima, compilada por Bernardo Gomes de Brito, anotada, comentada e acompanhada de um estudo por António Sergio, 1955; a edição de luxo em três volumes de Guerra e paz, de Tolstoi, 1956, traduzida por João Gaspar Simões e ilustrada por Júlio Pomar; Azazel: peça em 3 actos, 1956, de José-Augusto França; e O azulejo em Portugal, 1957, de Reynaldo dos Santos. Pela Editorial Sul sai, também, a segunda edição de A maravilhosa viagem em 1956.
Nesse mesmo ano, Terra morta é publicada pela Présence Africaine, em tradução para o francês de Violante do Canto e prefácio de Roger Bastide, com o título de Camaxilo. No ano seguinte, sai Viragem em Portugal pela editora Ulisséia. O livro não é proibido, mas, em represália, a Editorial Sul é fechada pelas autoridades sob a alegação de irregularidades administrativas. Castro Soromenho prossegue suas atividades editoriais de forma encoberta, com a ajuda de seu sócio Rogério de Moura.
Em 1959/60 participa, como agente de ligação, de uma rede de conspiração visando a derrubada do regime salazarista. No início de abril de 1960, é descoberto, numa praia, o cadáver de um dos membros da conspiração[10], que atuava na clandestinidade –  episódio que inspirou o livro Balada da praia dos cães do escritor José Cardoso Pires.  Ao tomar conhecimento do fato através da imprensa Castro Soromenho pensa, erroneamente, que se trata de um assassinato efetuado pela PIDE. Conclui que a conspiração havia sido descoberta e decide, então, sair de Portugal. Começa o exílio do escritor. Algumas semanas depois da ida de Castro Soromenho para a França, a PIDE, que desconhecia sua fuga, invade sua residência, que se situava na Praça das Águas Livres, com ordem de prendê-lo.
Exílio. Em setembro de 1960, Mercedes e filhos partem para França. Anteriormente, no final da primavera ou no verão de 1960, o escritor realiza viagens à Holanda, Bélgica e Alemanha Ocidental e, no final desse ano, recebe, por iniciativa do Prof. Machado da Rosa, um convite da universidade de Wisconsin. Nos EUA, integra a comissão encarregada da seleção de material para o curso de Língua Portuguesa e Literatura Luso-Brasileira e rege o curso de Literatura Portuguesa, na ausência do professor catedrático Machado da Rosa. No final de 1961, o casal, após uma breve permanência em Barcelona, retorna a Paris, onde passa a residir.
Em Portugal, a editora Gleba publica Histórias da terra negra, que reúne o estudo introdutório de Roger Bastide L´Afrique dans l´œuvre de Castro Soromenho, traduzido por Mario Pinto de Andrade, parte dos contos e os romances Angústia e Homens sem caminho. Essa edição, em dois volumes e ilustrada por Alice Jorge e Júlio Pomar, constitui, assim, uma coletânea dos trabalhos da primeira fase da obra do escritor que trata da vida dos africanos da Lunda antes da chegada dos colonizadores. A editora Arcádiapublica a terceira edição de A maravilhosa viagem e a primeira edição em Portugal de Terra morta, que é apreendida pelas autoridades. Os contos e os romances Terra morta e Viragem são traduzidos em diversas línguas.
Em 1962/64, o escritor trabalha como leitor de português e espanhol na editora Gallimard e colabora nas revistas Présence Africane e Révolution, nas quais publica contos e dois trabalhos sobre a rainha Jinga. A tradução para o francês de vários desses trabalhos é feita por Mercedes[11] que, ademais, trabalha por algum tempo no Centre National de la Recherche Scientifique – CNRS. Nesse período, Castro Soromenho realiza viagens à União Soviética (1962 e 1963, convidado para o Congresso da Paz) e à Argélia e escreve aquele que seria o seu último romance, A chaga, que conclui em 1964, mas que só viria a ser publicado postumamente no Brasil. Nos dois últimos anos de sua permanência na França (64/65), o escritor trabalha como investigador de literatura científica portuguesa sobre África no CNRS, seção de África Negra do Musée de l’Homme, sob orientação de Michel Leiris.
No seu exílio francês, Castro Soromenho é assíduo freqüentador da casa de seu amigo angolano Inocêncio da Câmara Pires, na Rua Hippolyte Maindron, que fora membro das Brigadas Voluntárias pela República que participaram da guerra civil espanhola[12]. Câmara Pires é, na época, o “assumido embaixador dos movimentos de libertação em Paris” (António Faria, 2006). Sua casa é o ponto de encontro das pessoas que fogem de Portugal e das colônias, principalmente aquelas com relações com o Movimento Popular de Libertação de Angola – MPLA. Por lá passam Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, Mario Pinto de Andrade, Carlos Serrano, Paulo Teixeira Jorge e muitos outros.
Sobre a atuação de Castro Soromenho, diz Teixeira Jorge (1988: pp. 47 e 49) que, embora o escritor não fosse propriamente um militante, “ele próprio também nas conversas ia fazendo sugestões para realmente projectar ainda mais a imagem do MPLA. Inclusivamente, na documentação que se recebia, ele também, às vezes, trabalhava conosco a elaborar este ou aquele documento, comunicado, etc, para chamar a atenção para o apoio ao MPLA. (….) Com Marcelino dos Santos e Mário de Andrade ele participou muitas vezes na divulgação de escritores ou obras de autores africanos para a editora “Présence Africaine”. Muitas vezes nesses encontros abordavam-se temas de poesia, literatura, porque Soromenho estava preocupado com a divulgação das obras dos dirigentes do MPLA, que eram poetas e que eram escritores”. No mesmo sentido, afirma Costa Andrade (1988: p. 8): “Castro Soromenho, com Mário de Andrade, catapultam a literatura angolana, a própria e a dos nomes grandes da Mensagem, com destaque para o prisioneiro de S. Antão, Poeta Agostinho Neto, a dos jovens então da Cultura, para as páginas e os livros de várias línguas, significando a primeira mensagem revolucionária e literária do povo angolano levada às suas audiências”.
Em 1962, Mercedes começa a apresentar problemas de saúde (cansaço, mal estar), mas os médicos não chegam a um diagnóstico conclusivo. Em janeiro de 1963, ela adoece gravemente, é internada às pressas e chega a entrar em coma. Desta vez, os médicos diagnosticam tuberculose. Após passar por diversos hospitais, é transferida meses depois para um sanatório em Versailles onde permaneceria até meados de 1965, com algumas saídas esporádicas. Nesse mês de janeiro, abalado com o grave estado de sua mulher, Castro Soromenho tem sucessivas crises de asma e também é internado. Impossibilitado de cuidar dos filhos, é obrigado a enviá-los para casa de parentes. Edite e José Cardoso Pires propõem-se a acolher a filha Stella Susana que viaja em março e com eles reside por cerca de um ano[13]. Após sua saída do hospital, Castro Soromenho continua a residir em Paris com os dois filhos rapazes.
Bom só para Portugal via Espanha
No verão de 1963, o escritor é procurado por um agente da polícia francesa que o previne da possibilidade de um atentado planejado pela OAS, a conhecida organização francesa de extrema-direita que se opunha à independência da Argélia e, presumivelmente, mantinha contactos com a PIDE. Por sugestão da polícia francesa, vê-se obrigado a residir incógnito fora de Paris (salvo permanências esporádicas). No testemunho posterior de Mercedes, Castro Soromenho “recorreu a um bom amigo de insuspeitada idoneidade e conduta, cuja ação em favor dos argelinos visados pelas autoridades francesas durante a Guerra da Argélia, era sobejamente conhecida: o “Abbé” Robert Raullet, que lhe arranjou alojamento em casa de um casal francês, M. et Mme Arnoult, que viviam em Ballancourt, pequena localidade situada nos arredores de Paris. Em casa desse casal, meu marido permaneceu cerca de dois meses, passando, depois a viver num quarto em Livry-Gargan, por recomendação do próprio Abbé Robert” [14].
Em maio de 1964, falece em Lisboa a mãe do escritor. No final do mesmo ano e no primeiro semestre de 1965 (quando Mercedes sai do sanatório), o casal vive no Havre e, no segundo semestre de 1965, em Villejuif, perto de Paris.
Mercedes e Castro Soromenho em França
Mercedes e o escritor (França -1965)
O visto de permanência temporário do escritor na França expirava em fevereiro de 1966. Frente às dificuldades de se manter em França, o casal decide emigrar para o Brasil, onde Casais Monteiro e Fernando Mourão articulam, respectivamente, perspectivas de trabalho em um grande jornal da imprensa de São de Paulo e, como professor, na Universidade de São Paulo (USP). Mercedes e os filhos possuem passaportes argentinos, mas Castro Soromenho necessita renovar o seu. A embaixada portuguesa, no entanto, carimba em seu passaporte “Bom só para regressar a Portugal via Espanha”. Por interferência de Agostinho Neto, Mário de Andrade e Luis d´Almeida, o governo da  Argélia dá um passaporte ao escritor[15] e, devido à perspectiva de trabalho na USP, as autoridades brasileiras lhe conferem um salvo conduto que o escritor utiliza para, em dezembro de 1965, embarcar para o Brasil.
Brasil. Castro Soromenho e família chegam a São Paulo em 31 de dezembro de 1965. A perspectiva de trabalho no jornal paulista não se concretiza. Na USP, participa Centro de Estudos e Cultura Africana, que viria a dar origem ao Centro de Estudos Africanos. O Centro estava no seu início (Serrano em Macieira, 1988: p. 29) e era dirigido por Ruy Galvão de Andrada Coelho. Como professor colaborador da USP rege os seguintes cursos: Introdução à sociologia da África Negra e A formação do Estado Lunda, em 1966; A formação da sociedade angolana ao longo de quatro séculos, em 1967; e Sociologia da África Negra no primeiro semestre de 1968. Ministra também um curso livre de um semestre de Sociologia da África Negra na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara[16].
No jornalismo, colabora no semanário português anti-salazarista A Semana Portuguesa, dirigido por Joaquim Duarte Batista e publica alguns artigos sobre África num diário paulista.
Carteira de estrangeiro - nacionalidade: apátrida
Em 1967, é publicada em São Paulo, pela Arquimedes Edições (do mesmo Arquimedes de Melo Neto que publicou a primeira edição de Terra morta em 1949), uma nova edição de Viragem. O livro inédito A chaga havia sido enviado a uma pequena editora que não consegue efetivar a publicação.
Em 18 de junho de 1968, Castro Soromenho falece, em São Paulo, no hospital da Beneficência Portuguesa, em consequência de um derrame cerebral. É enterrado no Cemitério do Tremembé.
Alguns acontecimentos posteriores relevantes.
Agosto/Setembro de 1968. Salazar sofre um hematoma craniano e, pouco depois, é afastado do governo. A ditadura passa a ser dirigida por Marcelo Caetano.
Julho de 1970: morre Salazar.
1970. Primeira edição de A chaga pela Editora Civilização Brasileira com prefácio de Ruy Coelho. Nos anos setenta, intensificam-se as guerras de libertação, que se iniciaram em 1961, com o ataque a uma prisão e a uma esquadra da polícia em Luanda por forças do MPLA.
25 de abril de 1974. A Revolução dos Cravos. Liberdade para portugueses e, depois, descolonização para os africanos. A trilogia de Camaxilo (Terra morta, Viragem e A chaga) é editada pela Sá da Costa.
1978. É publicado o livro A sociedade angolana através da literatura de Fernando Mourão, São Paulo, Ed. Ática.
1979. A União dos Escritores Angolanos publica a trilogia de Camaxilo.
1983. Falecimento de Mercedes de la Cuesta de Castro Soromenho.
1988. Álvaro Macieira publica Castro Soromenho – cinco depoimentos (Stella Susana de Castro Soromenho, Carlos Serrano, Carlos Alberto
Cinco depoimentos
Iannone, Óscar Lopes e Paulo Teixeira Jorge, com introdução de F. Costa Andrade).
Stella Susana de Castro Soromenho
2006. Falecimento de Stella Susana de Castro Soromenho. Primeira edição completa de Terra morta em língua inglesa: Dying Land, translated with an introduction by Annella McDermott. 2006. 247p. Saagull/Faoileán.
2008. Primeira edição de bolso da trilogia de Camaxilo, Edições Cotovia, (Biblioteca dos editores independentes), Portugal.
Bibliografia
Andrade, F. C., 1988. Pró-memória. In: Álvaro Macieira, Castro Soromenho – cinco depoimentos. União dos Escritores Angolanos, 1988.
Acervo Castro Soromenho. Cartas e outros documentos citados no texto.
Faria, António, 2006. Companheiro de caminho: Castro Soromenho. In: Latitudes, n. 27, setembro.
Macieira, Álvaro, 1988. Castro Soromenho – cinco depoimentos. União dos Escritores Angolanos (depoimentos de Stella Susana de Castro Soromenho, Carlos Serrano, Carlos Alberto Iannone, Óscar Lopes e Paulo Teixeira Jorge).
Mourão, Fernando A. A. Entrevista com Castro Soromenho. Cultura: boletim da Sociedade Cultural de Angola, 2 (11): 7, maio, 1960.
Mourão, Fernando A. A. e Maria A. Rodrigues Quemel, 1977. Contribuição a uma bio-bibliografia sobre Fernando Monteiro de Castro Soromenho. Centro de Estudos Africanos, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humana, Universidade de São Paulo, São Paulo.
Mourão, Fernando A. A., Cláudio A. Furtado e Francisco Valente, 1988. Bibliografia sobre Fernando Monteiro de Castro Soromenho. In: África – Revista do Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo, n. 11.
Soromenho, Artur, 1933. Distrito da Lunda – Relatório referente ao ano econômico de 1931-1932 e mêses subsequentes até maio de 1933 (não publicado). Acervo Castro Soromenho.
Soromenho, Stella S. de C. 1988. Depoimento a Álvaro Macieira in: Castro Soromenho – cinco depoimentos. União dos Escritores Angolanos, 1988.
Vale, Regina Célia Fortuna, 2005. Poder colonial e literatura: as veredas da colonização portuguesa na ficção de Castro Soromenho e Orlando da Costa. Tese de Doutorado.  Orientador: Carlos Moreira Henriques Serrano. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo – USP.

[1] Procuramos manter as denominações utilizadas na época.
[2] O nome da mãe do escritor aparece em algumas biografias erroneamente como “Stella do Sacramento Monteiro”. Adotamos, aqui, a grafia constante nas certidões oficiais de nascimento dos membros da família.
[3] Conforme cópia manuscrita pertencente ao Acervo Castro Soromenho.
[4] Conforme cópia da carta de A. Soromenho dirigida ao Chefe do Gabinete da Presidência do Conselho, 25 de setembro de 1936, pertencente ao Acervo Castro Soromenho.
[5]  Vila ou município do qual há referências no romance Viragem.
[6] A. Soromenho, Distrito da Lunda – Relatório referente ao ano econômico de 1931-1932 e mêses subseqüentes até maio de 1933, pg. 116.
[7] O jornal foi reaberto posteriormente, sob nova direção, e encerrou suas atividades em 1939.
[8] A relação das obras de Castro Soromenho foi compilada por Fernando A. A. Mourão e Maria A. Rodrigues Quemel, 1977, e Fernando A. A. Mourão, Cláudio A. Furtado e Francisco Valente, 1988. A essas compilações, devem-se acrescentar alguns trabalhos identificados posteriormente, em particular, o artigo Artur Ramos: o negro do Brasil e os estudos afro-brasileiros – A América perante a Europa – O Destino da literatura brasileira e a sua humanização (Rio 1938), in: O Diabo, n. 220, 11 de dezembro de 1938, p. 6, que consta na bibliografia da tese de Regina Célia Fortuna do Vale, 2005.
[9] Entrevista com Castro Soromenho. Cultura, 11 de maio de 1960. Luanda.
[10] Há um dossier sobre o assunto no Acervo Castro Soromenho.
[11] Conforme depoimento de Stella Susana em Alvaro Macieira (1988).
[12] Ver Costa Andrade (1988).
[13] Carta de Edite e José Cardoso Pires a Castro Soromenho (Acervo Castro Soromenho).
[14] Cópia de carta de Mercedes de la Cuesta de Castro Soromenho dirigida a Mário Soares, datada de 8 de Setembro de 1981 (Acervo Castro Soromenho). Não há registro se a carta foi, de fato, enviada.
[15] Ver Costa Andrade (1988: p. 9).
[16] Ver Mourão, Furtado e Valente (1988: p. 166).