Sofia Cerqueira, Veja Rio
Embalada pela riqueza proveniente do petróleo da exploração de diamantes, a elite de Angola elege o Rio como o paraíso da boa vida e do consumo de luxo.
Foto: Nicole Barradas, grávida de gêmeos: fertilização in vitro e parto em um hospital carioca.(Gianne Carvalho/Veja)
Foto: Os angolanos Ivandro Rodrigues, Edmilson Lemos, Maria Rosa Baiúa, Igor da Cruz e Joana Gomes: temporada de estudos. (Gianne Carvalho/Veja)
Fonte: Veja
Entre os que desembarcam para estadias mais longas, há um grupo cada vez mais frequente: os que se mudam de vez. Em geral, são jovens que chegam para estudar em universidades particulares. A preferida, nessa categoria, é a Estácio, particularmente o câmpus da Barra da Tijuca, bairro muito apreciado pela turma. Vestidos com roupas de marcas caras, eles moram sozinhos, deslocam-se dirigindo o próprio automóvel e têm as contas integralmente bancadas pelos pais ou por outros familiares. “Eu comecei a estudar em Luanda, mas a universidade era muito desorganizada”, lembra Ivandro Rodrigues, 24 anos, aluno do curso de engenharia de petróleo e gás, especialização que não existe em seu país. Filho de um jornalista, ele gasta 4 000 reais por mês para viver aqui, custeados integralmente pela família. Na mesma classe de Ivandro, estuda outra conterrânea, Maria Rosa Chiola Baiúa, de 24 anos, nascida em Cabinda, província de onde saem 65% do petróleo produzido em Angola. Com uma bolsa do governo e a ajuda de um cunhado, ela se mantém confortavelmente. Em seu armário, guarda artigos de marcas francesas e sapatos Christian Louboutin. Frequentemente, as casas desses estudantes se tornam uma espécie de posto avançado da família em território carioca. A estudante de arquitetura Joana Gomes, de 20 anos, chegou em 2008 e, desde então, tem recebido visitas de parentes e amigos em casa. “Todo mundo quer vir para cá. Seis primas e tias já aproveitaram até para fazer plástica nesse período”, conta Joana. Ela própria planeja aproveitar a estadia para operar o nariz e pôr silicone nos seios nas próximas férias, em janeiro. Definitivamente, os angolanos descobriram os encantos do Rio.
Embora a situação em Angola esteja muito melhor do que no tempo das guerras, seus habitantes ainda sofrem com uma rede de serviços ineficiente. Os hotéis são caríssimos, os restaurantes, idem, e faltam profissionais experientes em todos os setores. A área médica, de fato, é o exemplo lapidar. Inexistentes por lá, as clínicas de cirurgia plástica e de fertilização artificial costumam ser muito procuradas pelos visitantes. O especialista em reprodução humana Luiz Fernando Dale, um dos mais prestigiados da cidade, recebe cinquenta angolanas por ano (cerca de uma por semana). “Poderia ter ido à África do Sul ou a Portugal, mas aqui, além de haver excelentes profissionais, a gente se sente melhor”, diz Nicole Vanine Barradas, 31 anos, grávida de três meses de gêmeos, graças a uma fertilização in vitro. Filha de um deputado, ela está hospedada num apart-hotel em Copacabana, onde ficará até os bebês nascerem. Desse fenômeno, por sinal, virá uma nova onda de carioquinhas. Casada com José Aníbal Lopes, ex-governador da província de Cabinda, Angelina do Céu, 30 anos, é mãe de uma criança de 9 meses nascida na Perinatal da Barra. “A medicina é mais avançada e nos sentimos mais seguras”, justifica. Nos últimos dois anos, ela esteve oito vezes no Rio. Em cada temporada vinha com uma mala e voltava com quatro.
A razão de tal fenômeno está em um forte consumismo, uma necessidade de comprar tudo aquilo que não se encontra por lá. Em certa medida, os angolanos apresentam o mesmo fascínio que os brasileiros demonstram em Orlando ou nos outlets próximos a Nova York. O angolano típico se diverte mesmo batendo perna em centros comerciais ou esperando uma consulta em uma clínica médica. Em geral, está acompanhado por vários amigos e não tem nenhum pudor em gastar grandes somas de dinheiro. Funcionária de uma empresa de petróleo, Natacha Anair Vaz Borja, de 31 anos, decidiu passar três semanas de férias por aqui. Ignorou os cartões-postais mais óbvios e mergulhou em uma animada rotina de compras. Esteve quatro vezes no RioSul, seis no Shopping Leblon e se aventurou pelos corredores do Fashion Mall e do BarraShopping. “Também temos boas lojas. Mas as daqui são incomparáveis em variedade e preço”, ressalta ela, fã das grifes Lacoste e Armani. Além de rechear o guarda-roupa, Natacha investiu 5 000 reais em um programa de beleza na clínica de Alberto Serfaty, no Leblon, que atende de vinte a 25 angolanos por semana. “Eles hoje representam cerca de 15% do meu movimento”, diz Serfaty, especialista em medicina estética. Ele se tornou uma celebridade no além-mar depois que um empresário brasileiro com interesses no país fez um bem-sucedido programa de emagrecimento.
O súbito interesse pelo Rio reflete a fase ascendente do país africano. Depois de décadas de conflitos armados, Angola vive um raro momento de estabilidade política e econômica. Por trás da boa maré estão a exploração de petróleo e a exportação de diamantes. “Há 25 anos, as pessoas aproveitavam a viagem para comprar artigos de primeira necessidade”, recorda Almeida. Naquela época, a empresa aérea tinha apenas um voo quinzenal para o Rio, feito em antiquados Boeings 707, semelhantes ao Sucatão, o velho e barulhento avião presidencial brasileiro. Hoje, as viagens são realizadas em modernos Boeings 777 com menos de um ano de uso e, no lugar de produtos de higiene pessoal e alimentos enlatados, os passageiros carregam de volta malas abarrotadas de artigos caros. Recentemente, um episódio ocorrido na loja da Louis Vuitton, em Ipanema, chocou as vendedoras. Maria Laura Cardoso, mulher do político Boaventura da Silva Cardoso, governador da província de Malanje, deixou o local vestida dos pés à cabeça com roupas da grife francesa. A conta: 25 000 dólares. A Avec Nuance, multimarcas de importados, também faz sucesso. Entre as peças mais procuradas estão roupas e acessórios da designer americana Anna Sui, que custam entre 1 500 e 2 000 reais, e sapatilhas francesas Repetto, as preferidas da modelo inglesa Kate Moss. Diz Silvia Chreem, dona da loja: “Os angolanos são garantia de bons negócios”.
Uma nova turma de turistas tem se incorporado à legião de visitantes da cidade. Trata-se da elite angolana, que elegeu o Rio como destino preferencial para as férias no exterior. Ao contrário dos europeus e americanos, que ficam embasbacados com o sol, as praias e a exuberância da paisagem, eles não dão a mínima para o Pão de Açúcar, o Corcovado ou a Lagoa Rodrigo de Freitas. Querem mesmo é se esbaldar nas butiques de luxo e nos shopping centers. Em sua maioria, são mulheres e filhos de figuras poderosas, como políticos, empresários ou executivos do ramo petrolífero que se instalam em hotéis cinco-estrelas ou apartamentos de alto padrão. Não raro, acabam ficando para temporadas mais longas enquanto aproveitam para frequentar cursos ou realizar tratamentos de saúde em hospitais de primeira linha. Os números do Ministério do Turismo confirmam essa revoada de além-mar. No ano passado, recebemos quase 20 000 visitantes de Angola, contra 5 361 em 2005 — um crescimento de 340% em quatro anos. Além de encontrarem por aqui boa oferta de produtos e serviços de padrão internacional, eles se sentem em casa. “Aqui somos confundidos com os brasileiros. Mesmo em Portugal, não nos sentimos tão à vontade”, explica Luís Ferreira de Almeida, diretor da Taag, empresa que opera quatro voos semanais entre a capital, Luanda, e o Galeão.