MEU ROMANCE

MEU ROMANCE
O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


quinta-feira, 4 de março de 2010

O DIA QUE UM NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL


JOÂO PORTELINHA



João Portelinha é romancista, contista, ensaísta, cronista e nas horas vagas, como ele próprio diz, poeta... Tomou como tema de seu romance histórico exclusivamente consagrado ao emocionante relato da escravidão em Angola e no Brasil... Desde o começo de sua obra, teve a ambição de reproduzir com realismo o que foi o infame comércio de escravos, de maneira mais verídica e mais completa e nos mínimos detalhes, sem buscar evitar o que pudesse haver de banal ou mesmo de desagradável em tudo quanto lhe impressionara sobre a escravidão do seu continente e das duas terras que ama de paixão; Angola, a mãe preta, e o Brasil, seu filho mestiço... A obra é feita de observação puramente naturalista, com uma ampla parte psicológica, das ações bem como sentimentos dos personagens que retratou. Só pelas qualidades do estilista satisfez às leis da estética. Seu estilo é artisticamente formado, transparente e simples, fácil e claro, conduto pessoal, onde mistura realidade com ficção e, plasticamente expressiva. Mesmo nos seus livros anteriores de contos particularmente deixa entrever a sua mestria – que, aliás, de resto, angolanos e brasileiros lhe reconhecem-. Mas é nas descrições da natureza, da dor, dos sentimentos que tais qualidades se mostram mais sedutoras. Nos destinos humanos que pode descrever, sobra pouco lugar para alegria. Os quadros são mais freqüentemente de cores muito sombrias, mas a força evocadora dos seus heróis jamais se enfraquece. Este romance constitui sem dúvida um tour de force como pintura audaciosa e amarga da vida que nos faz lembrar Brecht com suas pinturas sobre a escravidão no Brasil. Intitulou o seu primeiro romance O DIA QUE UM NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL, pensando na epopéia do reino do Ndongo e de outros povos que constituem hoje Angola e a maior parte do Brasil. O personagem principal que Portelinha escolheu para o romance, foi à formosa e lendária rainha Nzinga Mbandi e o Nganga Nzambi (aqui, Zumbi dos Palmares) que na ficção são mãe e filho, mas que na realidade, embora não sejam, viveram na mesma época, e têm a mesma origem, a dos Jagas. Nzambi transportado para o Brasil como escravo é um joguete dos que o cercam, desdenhado e maltratado, como todos os outros escravos, não obstante ser “filho” de uma lendária rainha angolana. Pode-se perguntar se fora do Brasil, noutra condição social, ele teria se tornado, verdadeiramente um grande herói na luta contra a escravidão como na realidade foi e, como de resto, é bem ilustrado e romanceado pelo autor? Na realidade são poucos momentos de ficção nesta obra... Poderíamos dizer que é a realidade romanceada pelo autor. As datas, os acontecimentos, os autores, os personagens, com exceção de Tchingira, amigo e escravo de Nzambi são reais. No decorrer deste triste episódio, que foi a escravatura, o autor se compraz em descobrir a beleza da natureza humana; liberto de toda doutrina psicanalítica, permaneceu simplesmente poeta, e soube criar a poesia pura com um traço de grandeza.

As amplas perspectivas sobre o verde doce e fresco circundado de rios azuis que brilham em todo esplendor. Há magia e a beleza retratada das florestas africanas e brasileiras com toda sua pujança circunstanciada com toda sua fauna em movimento; o barulho dos gravetos secos caindo das árvores e dos macaquinhos que pulam de haste em haste fazendo algum barulho é de extrema beleza. Encontra-se aí um sentido da vida que não nasce de um gosto puramente literário, um esforço rumo à influência livre, plena e inteira da beleza... Tudo vibra no infinito e na calma do espaço.

A análise dos personagens alcança uma profundidade notável em sua rapidez e leveza, essas figuras humanas se harmonizam com a fuga das nuvens, com o cair das chuvas, com o aparecimento do arco-íris e o seu jogo de luz, do crepúsculo à aurora de um dia novo. Graças à arte tão sutil do escritor, as palavras ganham certa ressonância e a sua música assemelha-se à de um violino de raios de luz e de cores. No entanto, se quisermos considerar esta obra tão somente no plano artístico ou literário, mesmo assim, não deixaria de ser uma obra original e importante para pesquisa mais do que qualquer daquelas obras consideradas “romances históricos” que o precedeu sobre a temática escravidão em Angola e Na América Latina.

É verdade que o aparecimento do chamado “novo romance histórico” na America Latina e em Angola não começou propriamente com João Portelinha. Nem tão-pouco a temática sobre a escravidão. Aqui, na América Latina, por exemplo, começa com a publicação de O reino deste mundo (1949), do cubano Alejo Carpentier, que assim, como consequência, provocou um ciclo de intensa publicação, tanto de romances históricos tradicionais, nas décadas de 1960 e 70. No entanto, os textos de O reino deste Mundo, de Carpintier aborda dinâmicas sócio - política – econômicas e os confrontos resultantes dos processos de diáspora negra e luta pela liberdade, tanto em um quanto em outro lado do atlântico, mas as populações de Angola seqüestradas para America não são propriamente os heróis do caribe, onde se encontravam predominantemente as populações da Guiné. As populações de Angola construíram outras histórias de resistência na America Latina como a dos quilombolas dos palmares, liderados por Zumbi, que aqui, de uma forma inédita e esplêndida é abordada em estilo de romance por João Portelinha