MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Boaventura de Sousa Santos e os ‘espelhos estranhos'

   
A bolsa atribuída a Boaventura de Sousa Santos (BSS) pelo European Research Council representa sem dúvida um ponto alto na carreira do decano dos sociólogos portugueses, recentemente jubilado. Os “espelhos estranhos” (ALICE – espelhos estranhos, lições imprevistas, é o título do projecto que mereceu esta bolsa) são uma boa metáfora, não só para exprimir a relação da Europa com o mundo, mas também para ilustrar a indiferença – ou o despeito – com que a comunidade sociológica portuguesa (pelo menos uma parte dela) olha para a projecção internacional de BSS e da sua obra.

A afirmação do Centro de Estudos Sociais (CES) na segunda metade dos anos oitenta constituiu, à imagem do seu principal dirigente, um núcleo de sociólogos potencialmente concorrente com a “escola de Lisboa” (ISCTE e ICS), até porque, desde o início, se impôs como um centro interdisciplinar que assumiu a sociologia crítica e o pensamento marxista e pós-marxista como referências importantes, apostando no estudo da sociedade portuguesa enquanto “semiperiferia” do sistema mundial, no quadro das suas relações históricas com a Europa, de um lado, e o Brasil e as antigas colónias africanas, de outro.

O CES cresceu e angariou prestígio, sendo hoje um dos dois centros de excelência nas ciências sociais portuguesas com o estatuto de Laboratório Associado do Estado. A sua composição é, de resto, muito heterogénea, tornando abusiva qualquer tentativa de reduzir o centro à actividade do seu líder. O prestígio de BSS prestigia também o CES, e o prestígio de ambos prestigia a sociologia portuguesa. Seria bom que esta verdade vingasse. E que a Associação Portuguesa de Sociologia (de que BSS é membro fundador) começasse por dar a este assunto a visibilidade que ele merece.

Com uma impressionante produção teórica nos últimos vinte anos, e estimulando uma intensa actividade de extensão, quer na formação avançada de sectores profissionais (por exemplo na área da justiça), quer no activismo cívico e político (por exemplo no âmbito do Fórum Social Mundial), BSS ganhou visibilidade e passou a ser lido, estudado e debatido em inúmeras universidades e entre activistas de movimentos sociais do mundo inteiro, em especial na América Latina. Projectos internacionais como «Reinventar a Emancipação Social» ou a sua reflexão sobre a «epistemologia do Sul» deram expressão a uma critica radical do capitalismo global, prenunciando a crise que hoje vivemos e o colapso do neoliberalismo. Isto, naturalmente, tem acicatado a concorrência de alguns sectores da comunidade académica lisboeta (em especial do ISCTE, o bastião da “sociologia pura”, sempre mais alinhada com o poder instituído), que, embora demonstrem respeito pelo “sociólogo do direito”, pretendem ignorar a dimensão da obra de BSS e, nos bastidores, acusam-no de ser normativo e messiânico.

"Eppur si muove"... O projecto “Espelhos Estranhos” pode significar um passo libertador que a Europa poderá vir a abraçar. Inverter a lógica dominante e olhar o mundo da periferia para o centro; descobrir nas margens e nos seus saberes – até aqui oprimidos – novas experiências e modos de organização da vida social e económica; sair do seu núcleo hegemónico e ver-se no espelho dos antigos povos colonizados; são caminhos que se podem apresentar no século XXI à velha Europa como passos para um novo e mais rico conhecimento de si mesma, para uma nova e mais promissora relação com os mundos por si encobertos ou descobertos ao longo do seu processo civilizacional.

Pode ser apenas um começo que lhe permita olhar para fora sem arrogância e olhar para si própria a partir de fora, superando os traumas do passado. Não sabemos se esta será a fórmula para a democratização da democracia. Mas ao reconhecer o pensamento crítico de BSS, a Europa dá provas de querer reinventar-se como berço do multiculturalismo cosmopolita e vanguarda do pensamento emancipatório.


Elísio Estanque




 

Boaventura de Sousa Santos distinguido com “accesit” pela Fundação Xavier de Salas (Espanha)

  
Boaventura de Sousa Santos distinguido com “accesit” pela Fundação Xavier de Salas (Espanha)

 

A Fundación Xavier de Salas, em Espanha, atribuiu a Boaventura de Sousa Santos um “accesit” do prémio da instituição que reconhece anualmente entidades ou personalidades que se distinguem pelo seu contributo para o desenvolvimento cultural, social e científico no universo ibero-americano.
O “Premio Fundación Xavier de Salas” é uma das iniciativas que a fundação leva a cabo, em parceria com o Ministério da Cultura de Espanha, de modo a reconhecer o mérito de uma pessoa, instituição ou personalidades que tendo realizado uma obra relevante e vasta em prol do desenvolvimento cultural, social e científico, constituem-se como referência na sua área de investigação, especialmente no panorama ibero-americano.
A Fundação Xavier de Salas justifica a atribuição do galardão a Boaventura de Sousa Santos com a relevância do seu percurso como investigador e docente e, ainda, com o inestimável valor da sua obra publicada no espaço ibero-americano.
A Fundacão Xavier de Salas, criada em 1981, dedica-se ao estudo das relações entre a Península Ibérica, particularmente a Extremadura, e a América, respondendo este propósito à consciência da importância das ditas relações. É também objectivo da fundação incrementar a investigação avançada a nível sociológico, histórico e antropológico.
Boaventura de Sousa Santos, Doutorado pela Universidade de Yale (JSD, 1973), é Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison (EUA) e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick (UK). É Director do Centro de Estudos Sociais (onde dirige, igualmente, o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa) e do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. A sua carreira estende-se por 4 décadas, afirmando-se como um dos cientistas sociais portugueses com maior projecção internacional. Recentemente, foi-lhe atribuída uma Advanced Grant, pelo European Research Council, para desenvolver um projecto de investigação, entre 2011 e 2016, com um apoio de 2,4 milhões de euros, com o título “ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do mundo”. 

  

O European Research Council atribuiu uma Advanced Grant a Boaventura de Sousa Santos

O European Research Council atribuiu uma Advanced Grant a Boaventura de Sousa Santos para desenvolver um projecto de investigação nos próximos 5 anos. As Advanced Grants são das mais prestigiosas bolsas internacionais, tendo sido ganha após a participação em concursos extremamente competitivos.Esta bolsa tem o valorde 2,4 milhões de euros, para a realização do projecto de investigação“ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do mundo”, a desenvolver no Centro de Estudos Sociais (www.ces.uc.pt) da Universidade de Coimbra. Esta bolsa, que financia, com o apoio da União Europeia, a investigação de ponta no espaço europeu, tem sido raramente atribuída a cientistas portugueses, sendo esta a primeira vez que é atribuída a um cientista social.
O European Research Council (http://erc.europa.eu/), cuja representação portuguesa está a cargo da astrónoma Teresa Lago, é a primeira instituição europeia a financiar investigação de fronteira e tem como objectivo estimular a excelência científica e encorajar os melhores investigadores, nas diversas áreas científicas, a desenvolver investigação de risco de forma transdisciplinar.O ERC financia, anualmente, Advanced Grants, para investigadores experientes, e Starting Grants, para jovens doutorados.
O objectivo do projecto é desenvolver um novo paradigma teórico para a Europa contemporânea, baseado em duas ideias principais: o conhecimento do mundo excede em muito o modo como a Europa o vê; a transformação social, política e institucional da Europa beneficiará bastante com a compreensão das inovações que estão a ocorrer em muitos países e regiões com quem a Europa tem, cada vez mais, relações de interdependência.
A concretização deste projecto desenvolver-se-á em quatro tópicos principais: a democratização da democracia; o constitucionalismo intercultural; as outras economias; e os direitos humanos (com especial incidência no direito à saúde). Os quatro tópicos estão interrelacionados e são concebidos como dimensões cruciais para a transformação social. A investigação desenvolver-se-á, de forma articulada, em países portadores de experiências relevantes para estudar os quatro tópicos identificados, nomeadamente: Bolívia, Brasil, Equador, Índia, África do Sul, França, Itália, Reino Unido e Portugal.
Os resultados expectáveis, para além de um conjunto diversificado de publicações (livros e artigos científicos), comunicações e de eventos científicos, são os seguintes: recomendações e documentos orientados, a nível nacional e europeu, para as instituições políticas; relatórios executivos, com os principais objectivos e conclusões; materiais didácticos para integração em programas universitários; entre outros. Todos os resultados do projecto serão divulgados online e disponibilizados a todos os públicos.
Realce, ainda, para a constituição de uma equipa que contempla 4 investigadores doutorados e 8 investigadores em doutoramento, que terão neste projecto um espaço de reflexão, afirmação e produção inigualável, promovendo a criação de equipas de alto nível, com uma perspectiva de integração científica e política à escala global.
Nos dias de hoje, em que sofremos com os efeitos de uma turbulência financeira e económica, derivada de opções políticas definidas nas últimas décadas, é clara a necessidade de que os processos de aquisição de conhecimentos devem ter um carácter recíproco, numa troca partilhada que a todos beneficie. Neste projecto, assume-se esta perspectiva como um objectivo político: sustentar novas medidas políticas e sociais tendo em consideração as realidades e as novas formas de vida emergentes na Europa e fora dela. Iniciar um diálogo aprofundado entre diversas experiências a decorrer no mundo, no que Boaventura de Sousa Santos vem designando como “ecologia dos saberes”, ou seja, o reconhecimento da pluralidade de conhecimentos existentes no mundo, como forma de dotar a Europa de novos instrumentos para construir um futuro melhor.
Boaventura de Sousa Santos, Doutorado pela Universidade de Yale (JSD, 1973), é Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison e Global Legal Scholar da Universidade de Warwick. É Director do Centro de Estudos Sociais (onde dirige, igualmente, o Observatório Permanente da Justiça Portuguesa) e do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra. A sua carreira estende-se por 4 décadas, afirmando-se como um dos cientistas sociais portugueses com maior projecção internacional, onde tem vindo a coordenar um elevado número de projectos, afirmado uma vasta gama de publicações, orientado um enorme número de jovens cientistas e contribuído para a afirmação das ciências sociais como uma parceira relevante para a reflexão e elaboração de políticas públicas.