MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


segunda-feira, 15 de novembro de 2010

JOSÉ SERRA: o principal sobre o aborto “é dizer a verdade”

Enviar por Email Publicado: 29/10/2010 | Por: João Portelinha d´Angola | Em: ColunasOpinião | Lido 67 Vezes

Por  João Portelinha d´Angola 
João Portelinha d´Angola é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. 
Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola.


O candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, enfatizou a questão do aborto em seu primeiro programa eleitoral na TV no segundo turno. Ele disse que sempre condenou o aborto e afirmou ter valores cristãos. “O que está em questão agora nessa campanha não é apenas ser contra ou a favor. É a mentira! De repente diz que é contra por motivos eleitorais. Isso está errado. Acho que cada um tem suas crenças e a gente deve respeitar a crença das pessoais. Agora, a questão é dizer a verdade. Eu sempre disse isso há muitos anos, todos conhecem minha posição a esse respeito”, afirmou.

O tucano disse ainda ser contra o aborto por uma questão “religiosa e pessoal e de fé íntima”. 
Já a candidata petista à Presidência da República, Dilma Rousseff no primeiro programa do horário eleitoral gratuito no rádio, no segundo turno, desmentiu os boatos de que seria favorável ao aborto. "Quero fazer no segundo turno uma campanha em favor da vida", afirmou.

Por seu turno, o candidato a vice de Dilma afirma ser contra a descriminalização. Gravou uma entrevista num programa religioso onde disse que achava muito grave que se colocasse a questão da fé com o Estado. “Que vença o melhor para o país, até porque a Dilma não vai ser presidente dos católicos ou dos evangélicos, mas do país. Na nossa constituição já determina que o Estado é laico e não pode se confundir uma coisa com outra. Enfatizou.

Em depoimento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez lembrar que sofreu campanha difamatória semelhante, mas, que em seu governo, houve mais democracia e liberdade. Por outro lado, o arcebispo metropolitano de São Paulo, cardeal dom Odilo Scherer, que também é membro do Conselho Permanente da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), disse considerar que não é positiva para o debate eleitoral a polarização em torno da questão do aborto. Mas, para ele, os candidatos devem apresentar claramente suas ideias sobre o tema. Quando perguntado se a posição do candidato sobre o aborto seria fundamental na hora de escolher o próximo presidente da República, o cardeal foi apologista que outros assuntos também devem ser levados em consideração. “[o aborto] é uma das questões que os eleitores têm que saber o posicionamento dos candidatos. Porém, a polarização em torno do assunto não é boa, porque temos muitos assuntos que devem também ser levados em consideração [na hora do voto]”, disse. 

Na noite de quarta-feira, dia 6, em Brasília, a Comissão Brasileira Justiça e Paz, órgão ligado à CNBB, criticou o uso da religião para fins eleitorais e disse que grupos desconsideram orientações daquele órgão católico. A comissão divulgou nota na qual comenta o momento político brasileiro. “A Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP) está preocupada com o momento político na sua relação com a religião. Muitos grupos, em nome da fé cristã, têm criado dificuldades para o voto livre e consciente. Desconsideram a manifestação da presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil de 16 de setembro, “Na proximidade das eleições”, quando reiterou a posição da 48ª Assembléia Geral da entidade, realizada neste ano em Brasília. Esses grupos continuaram, inclusive, usando o nome da CNBB, induzindo erroneamente os fiéis a acreditarem que ela tivesse imposto veto a candidatos nestas eleições. Continua sendo instrumentalizada eleitoralmente a nota da presidência do Regional Sul 1 da CNBB, fato que consideramos lamentável, porque tem levado muitos católicos a se afastarem de nossas comunidades e paróquias. 

Constrangem nossa consciência cidadã, como cristãos, atos, gestos e discursos que ferem a maturidade da democracia, desrespeitam o direito de livre decisão, confundindo os cristãos e comprometendo a comunhão eclesial. Os eleitores têm o direito de optar pela candidatura à Presidência da República que sua consciência lhe indicar, como livre escolha, tendo como referencial valores éticos e os princípios da Doutrina Social da Igreja, como promoção e defesa da dignidade da pessoa humana, com a inclusão social de todos os cidadãos e cidadãs, principalmente dos empobrecidos. Nesse sentido, a CBJP, em parceria com outras entidades, realizou debate, transmitido por emissoras de inspiração cristã, entre as candidaturas à Presidência da Republica no intento de refletir os desafios postos ao Brasil na perspectiva de favorecer o voto consciente e livre. Igualmente, co-patrocinou um subsídio para formação da cidadania, sob o título: “Eleições 2010: chão e horizonte”.

Mas como Serra afirma que “foi sempre contra o aborto” e que “o principal em debate sobre aborto é dizer a verdade”. Vamos fazê-lo, como sugere o próprio candidato: Se nos lembramos bem, foi José Serra, então Ministro da Saúde em novembro de 1998, que assinou uma Norma Técnica da sua pasta implantando o atendimento na rede SUS de toda mulher, vítima de violência sexual, interessada em praticar o aborto. Naquela altura, foi feito um manual que descrevia as técnicas a serem utilizadas! “Até 12 semanas, o médico poderá optar pelo esvaziamento da cavidade uterina, de acordo com dois métodos. O primeiro, a dilatação do colo uterino e a curetagem. O segundo, a aspiração manual, além de um jogo de dilatadores anatômicos, seringas com vácuos. "A técnica consiste em dilatar o colo uterino até que fique compatível com a idade gestacional. Introduz-se a cânula correspondente e se procede à aspiração da cavidade uterina, tomando-se o cuidado de verificar o momento correto do término do procedimento, ocasião esta em que se sente a aspereza das paredes uterinas, a formação de sangue espumoso e o enluvamento da cânula pelo útero, e em que as pacientes sob anestesia para cervical referem cólicas”. 

Na apresentação do Manual, dizia: “As mulheres vêm conquistando nas últimas décadas direitos sociais que a história e a cultura reservaram aos homens durante séculos. no entanto, ainda permanecem relações significativamente desiguais entre ambos os sexos, sendo o mais grave deles a violência sexual contra a mulher. É dever do Estado e da sociedade civil delinearem estratégias para terminar com esta violência. E, ao setor saúde compete acolher as vítimas, e não virar as costas para elas, buscando minimizar sua dor e evitar outros agravos. O braço executivo das ações de saúde no Brasil é formado pelos estados e municípios e, é a eles que o Ministério da Saúde oferece subsídios para medidas que assegurem a estas mulheres a harmonia necessária para prosseguirem, com dignidade, suas vidas. Ass. José Serra, Ministro da Saúde”. 

Na ocasião a dita Norma mereceu uma condenação enfática da 45ª Reunião da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), assinada pelo então Secretário Geral da CNBB, Dom Raymundo Damasceno Assis, em 25 de agosto de 2000. Na realidade Serra trata o aborto como um direito da mulher. Acho até louvável como política pública... Todos Estados modernos e democráticos defendem essa política. Agora, que não nos diga que “sempre foi contra o aborto” para tirar dividendos políticos e que a Dilma é que é a favor do aborto! Corroborando com o candidato Serra “o principal sobre o aborto é mesmo dizer a verdade”!

João Portelinha d´Angola  é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. Ele é autor de vários livros. O seu mais recente livro é "O DIA QUE UM NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL". Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola. Visite o seu Blog João Portelinha d´Angola.
 

Conversa com a Loara sobre Dilma Rousseff

Enviar por Email Publicado: 30/10/2010 | Por: João Portelinha d´Angola | Em: ColunasOpinião | Lido 47 Vezes

Por João Portelinha d´Angola 
João Portelinha d´Angola é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. 
Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola.


A minha filha Loara está pesquisando, tanto em livros quanto na Internet, tudo que se relaciona com as “Amazonas”! E é todos os dias mesma coisa... O pai sabia que no séc. III a.C. as Amazonas já teriam atingido a Grécia, antes apenas se conheciam localizadas na Ásia Menor e que durante séculos as suas estórias povoaram os imaginários de Gregos e Romanos e mais tarde com Colombo o mito foi transposto para o Novo Mundo? Que a presença das famosas guerreiras na guerra de Tróia ficou como elemento importante do mito e na Ilíada? Sim, minha filha – disse-lhe - inclusive os especialistas dizem que mito das Amazonas encontra-se em todos os continentes, excepto na Oceânia. Elas foram e são um tema recorrente e têm servido de inspiração a obras literárias e seduziram e seduzem pintores, escultores, compositores, autores de teatro. Isso tudo, caros leitores, explicado por mim para não “fazer feio” numa discussão com uma “especialista” de onze anos que passa a vida vasculhando tudo sobre o seu predileto objeto de estudo – AS AMAZONAS!

Houve uns dias de trégua, mas ontem voltou à carga... O pai sabia que na América Portuguesa também se divulgou o mito. Em 1576, Pêro de Magalhães Gândavo chamava ao grande rio Maranhão «Rio das Amazonas» comprovando a divulgação do mito no nordeste brasileiro? 

Eu já farto do assunto, disse-lhe, citando Camões: Que cessem a amazonas e as musas do sábio Grego e do Troiano. Da fama e das vitórias que tiveram; que eu canto o peito ilustre angolano-brasileiro: A quem Nepturno e Marte obedeceram: Cesse tudo o que a Musa Antígua canta que outro valor mais alto se levanta! (poema de Luiz de Camões adaptado). 

Por que não falar das amazonas angolanas e brasileiras? – Questionei. Aquelas mulheres guerreiras que ajudaram a derrubar a ditadura no Brasil? As que derrubaram preconceitos de toda a espécie e cada dia lutaram contra a dominação colonial, no caso de Angola, contra invasões estrangeiras, contra a cultura, política e religiões impostas, que se notabilizaram e não são muito faladas? E que às vezes são deturpadas suas histórias? Deturpadas? Sim filha! Disse-lhe. É o caso da candidata Dilma, por exemplo. Tanto Serra como ela foram militantes estudantis, em 1964, quando os militares, teimosos e arrogantes, resolveram dar um golpe militar no Brasil. 

Com alguns tanques nas ruas, muitas lideranças, sem compreenderem o momento histórico brasileiro foram para o Chile, França, Canadá, Holanda. Viveram o status de exilado político durante longos 16 anos. Outros, porém, foram verdadeiros heróis, que pagaram com suas próprias vidas, sofreram prisões e torturas infindáveis, realizaram lutas corajosas para que, hoje, pudéssemos viver em democracia plena, votar livremente, ter liberdade de imprensa. Nesse grupo está Dilma Rousseff! Uma lutadora, fiel guerreira da solidariedade e da democracia. Foi presa e torturada. Não matou ninguém, ao contrário do que informa vários e-mails clandestinos que circulam Brasil afora. 

Somente por estes fatos, Dilma Rousseff guerreira, deve ser considerada uma heroína e não terrorista! Os mal intencionados querem inverter tudo! Os ditadores passam a ser os heróis e os que lutaram contra eles e o seu terror, são designados de terroristas! Dá para entender isso? Outra coisa, minha filha, as mulheres são a maioria no Brasil e presença feminina no primeiro escalão das capitais brasileiras é, além de minguada, concentrada apenas áreas sociais. 

Com a Dilma, é uma grande oportunidade que as mulheres têm de estarem dignamente representadas! Afinal elas são a maioria... Segundo levantamento feito pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SEPM) nos recém-nomeados secretariados de 26 capitais mostra que 59,9% das mulheres titulares atuam apenas em áreas como educação e assistência social. O Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Cfemea, diz que ainda não foi desconstruído o mito de que as mulheres são naturalmente adequadas apenas para o espaço privado - a casa e a família! Não podemos tratar isso como uma mera coincidência, como se as mulheres não se interessassem por outras áreas! Na verdade, mesmo com qualificação igual ou superior ao homem, as mulheres ganham menos e são descriminadas. 

E pior, do que isso, ainda há barreiras de desconfiança em relação à capacidade das mulheres de liderar e de lidar com cargos públicos no primeiro escalão. Uma pesquisa feita recentemente sobre um retrato da sub-representação feminina nas secretarias e constatou que apenas 19,9% desses cargos de confiança são ocupados por mulheres e que São Paulo ficou com o posto de segunda pior capital no quesito equilíbrio de gêneros em seu secretariado. 

Isso acontece também no âmbito federal! Não há dúvida de que o poder é uma cena masculina, as mulheres são preteridas na política e em algumas áreas específicas. Está longe o dia em que os homens vão aceitar as mulheres atuando na política em pé de igualdade. Mas verdade, também, que alguns homens lutaram sempre a favor das mulheres. Há um dado histórico interessante e que vem a propósito sobre assunto; ao contrário dos outros países, o movimento pelo voto feminino no Brasil partiu de um homem, o constituinte, baiano, médico e intelectual, Cezar Zama, que na sessão de 30 de setembro de 1890, durante os trabalhos de elaboração da primeira Constituição Republicana, defendeu o sufrágio universal, a fim de que as mulheres pudessem participar efetivamente da vida política do país. 

Em 1891, 31 constituintes assinaram uma emenda ao projeto de constituição de autoria de Saldanha Marinho, conferindo voto à mulher brasileira. Em Minas Gerais, em 1905, três mulheres se alistaram e votaram, mas foi um caso isolado. Em 1917, o deputado Maurício de Lacerda, apresentou a emenda nº 47, de 12 de março daquele ano, que alterava a lei eleitoral de 1916, e incluía o alistamento das mulheres maiores de 21 anos. Essa emenda foi rejeitada pela comissão de justiça, cujo relator Afrânio de Mello Franco a julgou inconstitucional por ter um grupo de mulheres presentes que era contra o voto feminino e nessa ocasião afirmou: “as mulheres brasileiras, em sua grande maioria, recusariam o exercício do direito de voto político, se este lhe fosse concedido”. Em 2010, a história se repete, é um homem – José Inácio Lula da Silva - que apresenta uma candidata para a Presidência da República com chances de ganhar! É bom que as brasileiras não percam a boa chance de terem uma mulher na presidência! O Brasil podia ser o primeiro país a ter o voto feminino... Mas naquela altura as próprias mulheres recusaram o exercício do direito ao voto! Agora não percam mais uma oportunidade! É bom refletirem...

João Portelinha d´Angola é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. Ele é autor de vários livros. O seu mais recente livro é "O DIA QUE UM NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL". Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola. Visite o seu Blog João Portelinha d´Angola.
 


A Funjada na Casa da Prima Madalena

Enviar por Email Publicado: 8/11/2010 | Por: João Portelinha d´Angola | Em: ColunasCrónicasOpinião | Lido 38 Vezes

Por João Portelinha d´Angola 
João Portelinha d´Angola é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. 
Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola.


É da praxe em todos os fins de semana juntarmo-nos em casa de algum familiar ou amigo para uma funjada.

Naquele dia era a vez, felizmente, de irmos a casa da Madalena – para nós prima Kuidukuta, por ser bem gorda, fofinha era como ela gostava que a chamassem.

Tinhamo-nos acomodado já à volta de uma enorme mesa de madeira tacula e aguardávamos impacientes pelos quitutes da prima fofinha.

Esses nossos repastos de fim de semana são bem fartos e sempre regados com bom vinho e muita cerveja. Há quem diga, e com razão, que nós angolanos vivemos em função do fim de semana. É comum, inclusive, fazermos perguntas do gênero como vai ser o teu fim semana? Ou simplesmente como é o fim de semana?

Mas as funjadas da prima fofinha são bem diferentes... Ora pela qualidade, ora pela diversidade. É de facto um regalo para os olhos de qualquer de qualquer um. Nunca faltam: a muambaKixiluanje, a kibeba assada, o kivúdia, o mufete, o sumate com jindungo Kahombó e o pirão do Huambo, que é de milho e que faço questão que nunca me falte. Em fim, um autêntico banquete para Kalú nenhum botar defeito.

Tive o privilégio de estar assentado ao lado do Zé Ivo, marido da fofinha numa das extremidades da mesa. Privilégio, quer dizer, até ver... Este, ao contrário da esposa, é um frangote, umxihuahua, embora muito simpático. É conhecido pelos amigos por Tchikuamanga (espécie de pássaro), por causa do seu nariz adunco.

Para além da tenaz fome que tínhamos, havia outra cumplicidade entre nós, os convivas: o de sabermos que aconteceria algo quando prima fofinha irrompesse daquela porta da cozinha; para além das panelas do esperado pitéu. Porque ela dissera-nos amiudadas vezes que teria uma grande surpresa reservada para nós.

E naquele momento surge a anfitriã com tudo a que tínhamos direito. Serviu, pelo menos a primeira rodada, como é d`hábito, as outras ficarem por nossa conta. Quando foi a vez do Zé, seu marido, encheu o prato de funji até ele não poder ver o parceiro ao lado...

Retirando o braço o braço dela, bruscamente disse: 

Leninha, não achas que é um exagero? – Lamentou-se o Zé todo envergonhado.

E ela:

Não tenho nada a ver com isso. Come Zé, se não vais ver o que te vai acontecer! – ameaçou.

O Zé olhava tristemente para nós, como pedindo socorro.

- Fofinha, deixa o rapaz “à la vonté”- disse-lhe sorrindo.

Não, João, esse gajo tem que comer tudo... TUDO MESMO!!!

Para nossa admiração, as súplicas e as lágrimas deste infeliz marido não eram suficientes para sensibilizar a esposa revoltada, que insistia em vê-lo comer todo aquele desproposito de comida.

Ó Madalena, dessas coisas mesmú... é qui eu... não gostú !!! - Suplicou ele numa forma interiorana, que lhe é peculiar.

A gargalhada não se fez esperar, acompanhada, como é óbvio, de olhares entre os presentes. È que, sem querermos, estávamos a comparar o tamanho colossal da |Madalena que podia zanvular (dar uma boa surra) a qualquer um de nós e a pequenez do infeliz, cena que mais parecia a de David e Golias...

Kufungou, muxuxou bué, katé jifetou, mas a verdade é que não sei o Zé Ivo pancou (comeu), todo aquele pitéu. Entendemos depois que ele tinha o mau hábito de almoçar em casa da amante aos fins de semana alegando que passava fome em sua casa! Pode? Prima Madalena soube disso e quis castigá-lo assim... de uma forma bastante exemplar. Como se não bastasse, fez-lhe lembrar, ainda, que da próxima vez poria muito jindungo (pimenta) na comida dele para ficar mais esperto... Aí sim, para além de dançar fandango, certamente ficaria com os muzumbos como se fossem mordidos por um enxame de marimbondos! hahahhahahh

Nós é que não precisamos que ninguém nos obrigasse a pitar. Porque, para nós, comer não era castigo, mas sim prazer. Nem é preciso dizer que pancamos buelélé e até bisamos. Sempre, ao som de uma boa Kizomba... Pessoa que é da banda é assim mesmo... Panca bué e torra búe, principalmente quando há um bom vinho. E agora que estamos em paz, então imagina só!

Se quiserem saber como se come a feijoada made in Angola – é sem camisa! Perguntem só ao meu kota Hingo, general, se eu não estou a falar a verdade. 

E quanto ao nosso amigo Zé Ivo. “Vamos fazer mas como? Se é o problema que estamos com ele”!!!

Até a próxima funjada na casa da prima Madalena que zanvula bué mas também come-se bué! Vamos fazer mas como?

Laripó Kuví

João Portelinha d´Angola é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. Ele é autor de vários livros. O seu mais recente livro é "O DIA QUE UM NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL". Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola. Visite o seu Blog João Portelinha d´Angola.
 

José Saramago: Diálogos para lá da morte...

Enviar por Email Publicado: 28/10/2010 | Por: João Portelinha d´Angola | Em: ColunasLiteratura | Lido 160 Vezes


Por  João Portelinha d´Angola 
João Portelinha d´Angola é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. 
Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola.
 

De onde venho e de onde vem o mundo em que vivo e do qual vivo? Para onde vou e para onde vai tudo o que nos rodeia? Tais são as perguntas do homem, logo que se liberta da embrutecedora necessidade de ter de sustentar-se materialmente. Porque quero saber de onde venho e para onde vou, de onde vem e para onde vai tudo o que me rodeia, e que significa tudo isto? Porque quero saber se morrerei ou não definitivamente e porque desejo eu que a morte não seja um fim absoluto? Se não morro que será de mim? Se morro, já nada tem sentido... Este é o ponto de partida pessoal e aditivo de toda filosofia e de toda a religião é o sentimento trágico da vida!

- Saramago, tu como ateu e comunista confesso, nunca escondestes teu desprezo por mim, pela Bíblia e pela Igreja. Não é verdade? Escrevestes livros e ensaios com críticas ácidas à fé cristã, como no romance O Evangelho Segundo Jesus Cristo, no qual aludes a uma eventual relação minha com Maria Madalena, com quem, segundo tu, eu teria conhecido o amor da carne e nele me ter reconhecido homem! Como se não bastasse, em um outro texto também escrevestes: “Deus não é mais que um nome, nada mais que um nome, o nome que, por medo de morrer, lhe pusemos um dia e que viria a travar-nos o passo para uma humanização real. Em troca prometeram-nos paraísos e ameaçaram-nos com infernos, tão falsos uns como os outros, insultos descarados a uma inteligência e a um sentido comum que tanto trabalho nos deram a criar”. Saramago, não achas que é muito incomodativo que eu não exista? Porque, assim penso, desapareceria com isso toda a possibilidade de os homens acharem valores num céu inteligível; já que precisamente os homens estariam agora num plano em que somente existiriam homens, sem mim... Sabes que o teu colega Dostoievski, também escritor, escreveu: ‘se Deus não existe, tudo será permitido’. Com efeito, Saramago, tudo seria permitido se eu não existisse; fica o homem, por conseguinte, abandonado; já que não se encontra em si, nem fora de si, uma possibilidade a que se apegue! Não é verdade?

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Foto: O escritor português José Saramago, um dos maiores da literatura mundial, falecido em Junho. (EPA)
– Jesus! Tu achas mesmo que o homem tornou-se melhor acreditando na tua existência? - Pergunta Saramago. Sabes muito bem que as religiões nunca te serviram e nunca servirão para aproximar e congraçar os homens, pelo contrário, foram e continuam a ser causa de sofrimentos inenarráveis, de morticínios, de monstruosas violências físicas e espirituais que constituem um dos mais tenebrosos capítulos da miserável história humana e que em troca diziam que prometestes paraísos e constantemente nos ameaçavas com infernos... Em teu nome, Jesus, é que os homens sem escrúpulos justificam tudo, principalmente o pior, principalmente o mais horrendo e cruel das coisas... 

Durante séculos, Deus, a Inquisição foi, ela também, como hoje os talebanes, uma organização terrorista que se dedicou a interpretar perversamente os teus textos sagrados que deveriam merecer o respeito de quem neles dizia crer, um monstruoso conúbio pactuado entre a religião e o Estado contra a liberdade de consciência e contra o mais humano dos direitos: o direito a vida! Por isso é que eu sempre duvidei que existisses... Como podes ter criado um universo inteiro para colocar nele seres capazes de cometer os maiores crimes para logo virem justificar-se dizendo que são celebrações do teu poder e da tua glória, enquanto os mortos se vão acumulando e teimam em cobrir de terror e sangue as páginas da história?

Algures na Índia, não sei bem em que lugar precisamente... Mas tu como vez tudo, sabes muito bem que não estou mentido... Uma fila de peças de artilharia em posição. Atado à boca de cada uma delas há um homem. No primeiro plano da fotografia um oficial britânico ergue a espada e vai dar ordem de fogo. Não dispomos de imagens do efeito dos disparos, mas até a mais obtusa das imaginações poderá "ver" cabeças e troncos dispersos pelo campo de tiro, restos sanguinolentos, vísceras, membros amputados. Os homens lutavam pela independência do seu país. Algures em Angola, dois soldados portugueses levantam pelos braços um angolano que talvez não estivesse morto, outro soldado empunha um machete e prepara-se para lhe separar a cabeça do corpo. Esta é a primeira fotografia. Na segunda, desta vez, a cabeça já foi cortada, está espetada num pau, e os soldados riem... Era um nacionalista que lutava pela libertação da sua pátria! Algures em Israel. Enquanto alguns soldados israelitas imobilizam um palestino, outro militar parte-lhe à martelada os ossos da mão direita. O palestino tinha atirado pedras... Nos Estados Unidos da América do Norte, cidade de Nova York. Dois aviões comerciais norte-americanos, sequestrados por terroristas relacionados com o integrismo islâmico, lançam-se contra as torres do World Trade Center e deitam-nas abaixo. Pelo mesmo processo um terceiro avião causa danos enormes no edifício do Pentágono, sede do poder bélico dos States. Os mortos, soterrados nos escombros, reduzidos a migalhas, volatilizados, contam-se por milhares.

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Foto: José Saramago com João Portelinha. (Arquivos)
Em Nova York tudo pareceu irreal ao princípio, episódio repetido e sem novidade de mais uma catástrofe cinematográfica, realmente empolgante pelo grau de ilusão conseguido pelo engenheiro de efeitos especiais, mas limpo de estertores, de jorros de sangue, de carnes esmagadas, de ossos triturados, de merda. O horror, agachado como um animal imundo esperou que saíssemos da estupecfação para nos saltar à garganta. O horror disse pela primeira vez "aqui estou" quando aquelas pessoas saltaram para o vazio como se tivessem acabado de escolher uma morte que fosse sua. Agora o horror aparecerá a cada instante ao remover-se uma pedra, um pedaço de parede, uma chapa de alumínio retorcida, e será uma cabeça irreconhecível, um braço, uma perna, um abdômen desfeito, um tórax espalmado. Mas até mesmo isto é repetitivo e monótono, de certo modo já conhecido pelas imagens que nos chegaram daquele Ruanda-de-um-milhão-de-mortos, daquele Vietnã cozido a napalm, daquelas execuções em estádios cheios de gente, daqueles linchamentos e espancamentos daqueles soldados iraquianos sepultados vivos debaixo de toneladas de areia, daquelas bombas atômicas que arrasaram e calcinaram Hiroshima e Nagasaki, daqueles crematórios nazistas a vomitar cinzas, daqueles caminhões a despejar cadáveres como se de lixo se tratasse. Sei Deus, que de algo sempre haveremos de morrer, mas já se perdeu a conta de seres humanos mortos das piores maneiras... No entanto, uma delas, a mais criminosa, a mais absurda, a que mais ofende a simples razão, é aquela que, desde o princípio dos tempos e das civilizações, tem mandado matar em teu nome! Como, por exemplo, a escravidão de milhares de africanos? Por isso é que eu sempre duvidei da tua exigência e das religiões que diziam ser tuas... Agora o que farás de mim, Jesus?

- Olha Saramago! Não sei... Acho que vou perdoar-te... Os teus argumentos são fortíssimos. A morte de qualquer homem me diminui, porque estou envolvido com toda a humanidade...

- Mas tu és advogado, Saramago?

- Sou um simples serralheiro, Senhor...

- Quero confessar-te uma coisa – disse Jesus, colocando a mão encostada no canto da sua boca como se quisesse confidenciá-lo algo - eu também sou teu fã! Gostei daquela parte do teu livro onde me fazes um homem... Agora, sobre minha relação com Maria Madalena garanto-te que foi um grande exagero! Confesso-te, Saramago, que não houve nada demais... 

João Portelinha d´Angola  é escritor e poeta Angolano, formado em Direito e é professor universitário. Ele é autor de vários livros. O seu mais recente livro é "O DIA QUE UM NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL". Autor do Coluna, "Angolensis Mirabilis" no Zwela Angola. Visite o seu Blog João Portelinha d´Angola.