MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


domingo, 29 de novembro de 2009

A DELIQUÊNCIA

Tenho escrito muita coisa sobre a adolescência e cheguei à conclusão que uma análise da adolescência ficaria incompleta se não ocupasse da delinqüência: não tanto em virtude do número ou proporção dos menores delinqüentes, nem do seu eventual aumento nos próximos anos, ou para prolongar o atual eco do seu comportamento, mas sim porque são, de certo modo, os adolescentes típicos, os que acusam e manifestam mais nitidamente as dificuldades da sua idade. Há que renunciar imediatamente, se os quisermos compreender, a considerá-los exceções, mesmo numerosas, anormais ou pervertidos, mas, pelo contrario, ver neles a figura da adolescência, vivida de uma forma paroxística, em que as dificuldades emergem, se exteriorizam sem travão e conduzem a comportamentos anti-sociais. Por conseguinte, as considerações sobre os jovens delinqüentes são particularmente oportunas, porquanto realçam os problemas de todos os adolescentes, mas avolumando-os de modo que permite uma melhor observação e facilita o seu estudo. Em última análise, todo o adolescente é suscetível de se tornar delinqüente, se as suas condições de vida são de natureza a conduzi-lo à adoção de atitudes anti-sociais.

Convém, pois, inventariar essas condições, para se compreender a gênese da delinqüência, em particular sob uma das formas mais correntes e notáveis – a do grupo, do bando. Por que o Bando? Se for certo que, as três necessidades essenciais da criança e do adolescente consistem em ser amado, “secularizado” e valorizado, verifica-se que os indivíduos frustrados a esse respeito são propensos a procurar uma compensação no bando. Na verdade, corresponde fundamentalmente, pelo menos em parte, à necessidade de afeto, no sentido de que representa um meio solitário cuja cumplicidade e sigilo, que lhe está ligado, servem para reforçar os seus laços. Numa das seqüências do filme “Terrain Vague” assiste-se à integração de uma criança, que houve dizerem-lhe durante o ritual de entronização: ”doravante, o bando será a tua família”. Isto de modo algum significa que as modalidades afetivas do grupo sejam assimiláveis às de uma família normal, mas para aqueles que sofrem com pais deficientes ou negligentes, elimina a sensação de solidão e abandono. Analogicamente o bando satisfaz o desejo de segurança. Perante um universo ainda mal conhecido, impressionante pela vastidão e complexidade, em face de problemas cujos dados conhece, mas cuja evolução ainda não entrevê com clareza, todo o adolescente experimentaria uma sensação de perplexidade, se os seus educadores não lhe proporcionassem o auxilio da sua presença. Quanto estes se encontram ausentes, indiferentes ou indignos, é o grupo que permite escapar à insegurança. A autoridade do chefe substitui, à sua maneira, a da família: indica uma linha de conduta, propõe passatempos, atribui uma função.

Satisfaz, enfim, o desejo de valorização. Na verdade, o bando recruta sobretudo indivíduos inferiorizados:inferiorizados, primeiro porque não receberam o afeto que lhes incutiria o sentimento de serem considerados, reconhecidos, tratados como pessoa humana e, depois, inferiorizados em virtude de insucessos vários que já lhes marcaram a vida. Em muitos casos, são mal classificados na escola, rejeitados pelos professores e até excluídos dos estabelecimentos escolares por razões de disciplina ou insuficiência nos resultados escolares. Vemos, pois, que a deficiência do clima familiar e escolar, independentemente dos motivos, é determinante e afeta gravemente o equilíbrio da criança. Tudo se passa como se as experiências sociais, adquiridas no inicio da sua vida regessem as experiências ulteriores: quando as primeiras se frustrarem, as segundas ressentem-se e resultam por seu turno, falseadas. Assim se explica duplamente agressividade dos adolescentes. Só nos amarão certamente se forem amadas por nós adultos... E depois também o sol não brilha sobre os mal-amados – nos ensina Millôr.


In "Palmensis Mirabilis, 29-11-09

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