MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Similar dos Chupins

Tenho em casa um clássico livro sobre os Pássaros do Brasil, do maior ornitólogo brasileiro, Eurico Santos. “Descobri” um espantoso e quase surpreendente desempenho “humano” de uma ave que também usa de estúcia, má fé e impiedade para exercer um largo período de domínio parasitário sobre outra, fingindo-se até sua semelhante!

Depois de enumerar os vários nomes também aplicados ao pássaro em diferentes regiões do país (chupins, gaudério ou godero, papa-arroz, parasita), informa-nos o autor que a ave freqüenta os campos e os pastos, caminhando pelo solo, revolvendo o esterco ainda fresco à procura de pedaços de milho. O seu nome ‘vira-bosta’ provém deste fato. O autor completa a lição, pondo em relevo a outra faceta do comportamento do pássaro, que levou a receber seu outro nome, dizendo que chupim (vira-bosta) ora põe um ovo, ora mais, e, por vezes, chega a jogar fora do ninho os ovos do legítimo proprietário, e não raro luta com ele para fazer a indesejável postura. Quando nascem os filhotes do intruso, quase sempre maior que do seu hospedeiro, estes estão irremediavelmente perdidos. Valendo-se do direito da força, não tem escrúpulos em lançar fora do ninho os seus “irmãos de leite”. Nem sempre conseguem os vira-bostas (chupins) expulsar do ninho os seus naturais proprietários e, verificando a impossibilidade de fazê-lo, conformam-se. Como, porém são quase sempre maiores e mais fortes, tomam todo o alimento que lhes traz a mãe adotiva e assim vê os seus próprios filhos legítimos desmedrarem e morrerem de inanição. É chegado o momento de indagarmos quais os motivos desta aberração nos hábitos do chupim e de outros pássaros. Será realmente uma degradação de costumes, como se verifica nas várias escalas do parasitismo? Onde, porém, a ornitologia se fasta desmesuradamente da realidade humana do país, é na avaliação de quantos à custa de quantos vivem? Cada um dos filhotes do chupim é criado à custa de um ou dois filhotes do seu hospedeiro? E no outro caso, o humano, cada um desses parasitas é alimentado à custa de milhões de crianças que a desumanidade das megalópoles, depois que as degradaram à condição de desprezíveis farrapos humanos, os batizou com a criminosa indiferença de menores abandonados. Porém, ó Deus dos desgraçados, o pior e o mais infame de toda história dos abandonados é o surgimento do excessivo e vergonhoso fenômeno do menor abandonado parece ter chegado a se avolumar como presente dos deuses para certo grupo seletivo de pessoas bafejadas pela fortuna alheia. Vejamos: os governos, festivamente, falam dele, legislam sobre ele. E dolorosamente se promovem à custa dele. Políticos profissionais, ministros, secretários de estado e de Municípios e candidatos a cargos eletivos discursam e prometem céus e terras. Enquanto eles mentem nos comícios eleitoreiros, prometendo ad captandum vulgus (para cativar a multidão) o que sabem de antemão que não podem dar como candidatos, o povo se esquece de pleitear e reivindicar tudo aquilo que foi prometido pelos políticos em suas campanhas por ocasião dos seus pleitos. Enquanto isso...

Centenas de cupinchas agraciados com emprego público ante a impunidade dos homens e a indiferença dos deuses, roubam milhões de reais destinados às merendas escolares, saúde e à educação das nossas crianças, roubam ao país descarada e impunemente.

Em “O Procurador da Judéia”, Anatole France interpretou, de forma magistral, o grau de indiferença com que Pôncio Pilatos dava conta de suas importantes funções. Interpelado numa estação de banhos termais, sobre a tragédia do pregador da Galiléia, “Aquele Jesus Cristo”, Pilatos respondeu: - Cristo? Que Cristo? Não me lembro...

É provável que, ao interpelamos sobre a fome e corrupção, alguns altos dignitários retruquem em uníssono: Corrupção? Fome no Brasil? E os milhares de “panetones” que temos distribuído? Quem pode estar com fome? Garotinho? Não me lembro...

Povo! Povo! Quantos crimes se cometem em teu nome?


In "Palmensis Mirabilis" de João Portelinha

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