MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


domingo, 29 de novembro de 2009

A DELIQUÊNCIA

Tenho escrito muita coisa sobre a adolescência e cheguei à conclusão que uma análise da adolescência ficaria incompleta se não ocupasse da delinqüência: não tanto em virtude do número ou proporção dos menores delinqüentes, nem do seu eventual aumento nos próximos anos, ou para prolongar o atual eco do seu comportamento, mas sim porque são, de certo modo, os adolescentes típicos, os que acusam e manifestam mais nitidamente as dificuldades da sua idade. Há que renunciar imediatamente, se os quisermos compreender, a considerá-los exceções, mesmo numerosas, anormais ou pervertidos, mas, pelo contrario, ver neles a figura da adolescência, vivida de uma forma paroxística, em que as dificuldades emergem, se exteriorizam sem travão e conduzem a comportamentos anti-sociais. Por conseguinte, as considerações sobre os jovens delinqüentes são particularmente oportunas, porquanto realçam os problemas de todos os adolescentes, mas avolumando-os de modo que permite uma melhor observação e facilita o seu estudo. Em última análise, todo o adolescente é suscetível de se tornar delinqüente, se as suas condições de vida são de natureza a conduzi-lo à adoção de atitudes anti-sociais.

Convém, pois, inventariar essas condições, para se compreender a gênese da delinqüência, em particular sob uma das formas mais correntes e notáveis – a do grupo, do bando. Por que o Bando? Se for certo que, as três necessidades essenciais da criança e do adolescente consistem em ser amado, “secularizado” e valorizado, verifica-se que os indivíduos frustrados a esse respeito são propensos a procurar uma compensação no bando. Na verdade, corresponde fundamentalmente, pelo menos em parte, à necessidade de afeto, no sentido de que representa um meio solitário cuja cumplicidade e sigilo, que lhe está ligado, servem para reforçar os seus laços. Numa das seqüências do filme “Terrain Vague” assiste-se à integração de uma criança, que houve dizerem-lhe durante o ritual de entronização: ”doravante, o bando será a tua família”. Isto de modo algum significa que as modalidades afetivas do grupo sejam assimiláveis às de uma família normal, mas para aqueles que sofrem com pais deficientes ou negligentes, elimina a sensação de solidão e abandono. Analogicamente o bando satisfaz o desejo de segurança. Perante um universo ainda mal conhecido, impressionante pela vastidão e complexidade, em face de problemas cujos dados conhece, mas cuja evolução ainda não entrevê com clareza, todo o adolescente experimentaria uma sensação de perplexidade, se os seus educadores não lhe proporcionassem o auxilio da sua presença. Quanto estes se encontram ausentes, indiferentes ou indignos, é o grupo que permite escapar à insegurança. A autoridade do chefe substitui, à sua maneira, a da família: indica uma linha de conduta, propõe passatempos, atribui uma função.

Satisfaz, enfim, o desejo de valorização. Na verdade, o bando recruta sobretudo indivíduos inferiorizados:inferiorizados, primeiro porque não receberam o afeto que lhes incutiria o sentimento de serem considerados, reconhecidos, tratados como pessoa humana e, depois, inferiorizados em virtude de insucessos vários que já lhes marcaram a vida. Em muitos casos, são mal classificados na escola, rejeitados pelos professores e até excluídos dos estabelecimentos escolares por razões de disciplina ou insuficiência nos resultados escolares. Vemos, pois, que a deficiência do clima familiar e escolar, independentemente dos motivos, é determinante e afeta gravemente o equilíbrio da criança. Tudo se passa como se as experiências sociais, adquiridas no inicio da sua vida regessem as experiências ulteriores: quando as primeiras se frustrarem, as segundas ressentem-se e resultam por seu turno, falseadas. Assim se explica duplamente agressividade dos adolescentes. Só nos amarão certamente se forem amadas por nós adultos... E depois também o sol não brilha sobre os mal-amados – nos ensina Millôr.


In "Palmensis Mirabilis, 29-11-09

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pintura da minha mãe -1994

CRÍTICA DE ARTE EM TOCANTINS

A crítica de arte é uma atividade que integra a produção cultural há milênios. Não é uma atividade recente como muita gente pensa. Petrônio era tido como um ditador de modas e gostos na Roma imperial do primeiro século depois de Cristo, ou pelo menos apresentava-se como tal. Terminou seus dias cortando os pulsos, por ordem do imperador, talvez insatisfeito com atitude blasé. Desde então, a critica de arte fez gloria ou desgraça de mais de um intelectual. O nosso problema em Tocantins é que os críticos de literatura querem ser de artes plásticas, de cinema, teatro e vice-versa...

Quem critica se expõe! Além de um saudável ceticismo, na medida em que haverá a permanente suspeita de que seu parecer seja meramente opinativo, o crítico enfrenta, não raro, reações destemperadas e bate-bocas, pois a boa crítica é expressa de forma contundente e irá alegrar alguns e magoar outros, por razões emocionais ou financeiras. E se uma obra receber uma avaliação desfavorável vier a ser um sucesso de público, ou vice-versa, haverá os tapinhas nas costas, as ironias e as comparações de sempre sobre falta de sensibilidade dos críticos para colocar o temerário (ai dele!) em seu devido lugar por uns dias. E as reações podem ir mais além. Críticos de arte são postos na berlinda da mídia de tempos em tempos. Pretenso artista frustrado, erudito estéril, destrutivo e irresponsável, as calúnias despejadas sobre analistas de reconhecida competência, sensibilidade e preparo técnico apenas ilustram os sentimentos que o critico suscita junto a artistas, produtores e ao público em geral. É por essa razão ou razões que os críticos tocantinenses quase sempre são “puxa-sacos” e muito favoráveis! Em lançamentos de livros que participei os autores são quase sempre considerados “expoentes máximos da literatura nacional”. Uns comparados a Machado de Assis... Alguns estreantes e com obras aparentemente triviais chegam a ser mesmo comparados a Fernando Pessoa e na pintura, a Picasso! Por outro lado, quem escreve, pinta, borda, faz escultura ou qualquer outro tipo de arte sempre se expõe. É normal nestes casos receber críticas, algumas até indesejáveis... Aí o cidadão se sente ultrajado com as críticas. A não ser que encerre tais obras num lugar herméticante fechado! Mas, mesmo assim, correria o risco de sua família e amigos, ao verem tais obras, opinarem sobre as mesmas! No entanto, queiramos ou não a critica de arte ou, em caráter mais geral, a curadoria, é indispensável. O curador é parte de um establishement que dá ao artista uma dimensão da sua proficiência técnica, da aceitação do seu trabalho e do significado social de que se reveste. Oferece ao público, ou a segmentos específicos de consumidores, um parecer alternativo sobre a obra, muitas vezes esclarecendo aspectos que ficam obscuros para quem não conhece o lado artesanal e técnico do trabalho ou não logra situá-lo histórica ou socialmente. E tem a função de estabelecer alguns parâmetros de aceitabilidade para obras que, embora relevantes para a sociedade, estão no limiar da rejeição por agredirem o bom gosto ou as convenções usualmente admitidas e que, sem um aval de autoridades reconhecidas, seriam condenadas à indiferença.

Há um preço a pagar, um outro lado da moeda, dado pela aceitação na sociedade de uma divisão do trabalho artístico entre artista, que concebe e produz , o curador, que seleciona, agrupa, divulga, traduz ou interpreta socialmente o trabalho do artista, e o marchand, que o coloca no comércio. Nessa organização econômica da cultura, o artista assume o papel da produção braçal, mas os instrumentos que dão substância social à sua obra são colocados pela sociedade nas mãos da curadoria e do comércio. O mercado seria, portanto, redutor do papel do artista. A impressão que eu tenho é que as coisas não funcionam assim em Tocantins... O artista quer que os presidentes das fundações culturais comprem suas obras! Como se a atividade das fundações culturais se consubstanciassem apenas em serem meros compradores de suas obras! O poder público não tem essa obrigação! E quando isso, eventualmente acontece, como é obvio, a obra comprada enquadra-se em uma linha de trabalho especifica; estilo, escola ou movimento... Os demais artistas, com estilos diferentes e que não se encaixam na temática da exposição, sentem-se totalmente marginalizados (é o que acham) por suas obras serem “preteridas” naquele momento... De certa maneira, acostumamo-nos a um Estado paternalista que obviamente já não existe mais...

In “Palmensis Mirabilis”, Jornal O Estado, 19-11-09

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Palestra ministrada por mim na UFT na II Semana Acadêmica de Medicina

Morte e Cultura

Antes de falar-vos sobre a morte, é imperioso, falar-vos, preliminarmente, de duas questões importantes relacionadas com a morte nas sociedades tradicionais africanas, asiáticas e indígenas: o culto aos antepassados e a ancianidade.

1. O Culto aos Antepassados.

Ele desenrola-se nestas sociedades com especial intensidade e freqüência

Para um membro destas sociedades, a vida social em toda sua totalidade, até a manifestação ou gesto mais gratuito, insere-se na necessidade e procura de equilíbrio entre os vivos e os mortos, entre o cosmos e toda a sociedade global, o presente e o passado.

O ser vivente está em contato com a sociedade global constituída por vivos e mortos, vivendo desta feita em igualdade na intimidade uns com os outros, pois essas sociedades compreendem os vivos e os antepassados, entre os quais há um constante intercambio de serviços e forças

Os antepassados são os dominadores da chamada “força Vital” e, por isso, possuem poder normativo sobre os vivos dispensando-lhes ou negando-lhes a força e os dons.

Além de legisladores, os antepassados são também guardiões dos costumes e leis, velando a conduta dos descendentes, que recompensam ou punem conforme sejam ou não observados os ritos e as leis.

A fidelidade as tradições, o respeito aos mortos e aos anciães bem como o cumprimento das cerimônias estão sob o seu controle.

Os antepassados desempenham ainda a função de conselheiros, podem transmitir ordens, inspirações e virtudes especiais aos vivos. Asseguram a boa ordem das relações sociais e a participação de cada um nas atividades sociais segundo a hierarquia de idade e sexo ou função. São ainda os preceitos da tradição ou a inspiração dos antepassados que adéquam os homens aos outros seres e estes ao homem. Punindo ou recompensando (causando doenças ou curando, provocando secas ou chuvas).

É por isso que estas sociedades tradicionais cuidam sempre de lhes oferecerem libações, sacrifícios e súplicas nas tumbas, casas, aldeias, campos, bosques e rios. Os ritos determinados pela tradição devem ser observados com exatidão e com cerimonial estabelecido. Qualquer deslocamento ou ruptura tem resultados nefastos e doutra forma, a represália seria imediata.

O culto aos antepassados decorre logicamente da ontologia d esses povos. Não é uma superstição, uma idolatria, nem a decisão angustiante de uma mentalidade primitiva como pretendem os euro-centristas ou os ocidentais. O culto aos antepassados brota desta feita como um ato de fé na sobrevivência da pessoa aqui e além...

Essa forma de ver o mundo considera tão real o invisível e visível, tem uma necessidade imperiosa e vital de continuar ligado aos seres mais influentes da sua comunidade mesmo que não existam fisicamente. Não nos esqueçamos de que estas sociedades valorizam mais o lado invisível dos seres do que o seu aspecto exterior. Somente a realidade invisível dos seres é autenticamente consistente e até supervalorizada...

Sem entramos por enquanto neste mérito, de ser ou não culto, é sem dúvida mais importante ver que o ato encerra “per si”. O culto, em definitivo, potencializa a vida comunitária e mantém viva em cada membro a responsabilidade de se entregar como uma obrigação ética do maior valor e da maior dignidade destas sociedades tradicionais. A sabedoria ancestral encontrou nele o meio mais apto para consolidar a união entre os vivos, paz e harmonia sociais, ao reunir os membros do grupo em torno da sua comunidade.

O individuo participante toma consciência de ser útil, de viver ao serviço do grupo e de que a sua apostasia pode ser fatal tanto para ele como para a sua comunidade. Sua vida atinge uma finalidade; não encontra o absurdo nem o vazio; e a sua dedicação à solidariedade fortifica a comunidade e o robustece a esperança. Também reforça a autoridade, porquanto atualiza a presença do epônimo e dos antepassados ilustres que anatemizam os dissidentes, dando coesão às estruturas de parentesco c e garantido a sua continuidade, visto que a fecundidade é o dom dos antepassados. Não será acertado em vez de falar de culto aos antepassados falar de um culto à vida? Por intermédio dos antepassados? O culto aos antepassados talvez realize apenas uma imprescindível mediação. Eles seriam os mediadores poderosos, queridos com paixão e temidos até ao teor, ante as reservas mais pujantes da vida.

2. A Ancianidade


Nessas sociedades, a idade, a ancianidade, além de ser uma qualidade pessoal e biológica é, sobretudo uma qualidade social, pois através dos anciãos- quase despegados dos vivos e assimilados aos mortos – manifesta-se o poder dos antepassados. Os anciões, em especial o chefe, o mais-velho, o sekulo(velho), o cacique, são intermediários entre os vivos e os mortos, e prestam o culto supremo aos antepassados.

Assim, nestas sociedades as relações sociais caracterizam-se por uma relativamente clara hierarquização baseada na sucessão cronológica das pessoas. “No cume encontram-se os grandes antepassados da família e depois os descendentes, segundo a ordem de antiguidade: em seguida vêm os vivos: em primeiro lugar, o patriarca, o mais antigo... depois os anciãos e, por último, os mais-novos...

É frequente os chefes e os velhos especularem com poderes mágicos pata assegurarem o seu prestígio, para conseguirem favores e manterem privilégios. Justificando deste modo a decrepitude. A sua eficácia no manejo das forças mágica e na transmição de enfermidades ou desgraças é infalível.

Na realidade com a velhice chega à plenitude social, política e religiosa do homem. Converte-se numa pessoa sagrada. O último mandamento que ensina aos jovens os Nhanek-Humbe diz assim: Na guerra não mates os velhos. Um velho é um “epa iyohi”, que quer dizer, duro e respeitável como crosta da terra, ou noutro sentido, deve ser apreciado, como uma planta medicinal do mesmo nome.

Esta auréola sacra tem uma explicação: o velho encontra-se mais perto da morte, vive em contato especial com o mundo invisível por estar na fronteira de dois mundos. Pode servir de ponte sobre a qual circulam a os mortos e os vivos. A sua pessoa torna-se transmissora da força vital. Ouve a voz do mundo invisível ao qual transmite os anelos da sua descendência e grupo por quem vela.

A comunidade sabe que, em breve, transformado em antepassado, crescerá no velho a “força vital” e poderá decidir a sorte dele. Nos velhos confluem sentimentos contraditórios, pois é tão venerado como temido. De fato, o seu poder é ambivalente.

Pelo seu conhecimento e experiência os usos, costumes e ritos é depositário da sabedoria e seu zeloso guardião. A sua voz junta-se à tradição e à alma comunitária. Só ele explica os segredos da magia e a última razão das coisas. Os velhos falam, os jovens escutam e os homens maduros consultam-nos. Somente eles acumularam a plenitude da sabedoria. Eles são as verdadeiras bibliotecas vivas, desempenham uma missão cultural insubstituível que não podem atraiçoar com medo represálias dos antepassados por isso guardam fidelidade total a tradição e não toleram nem, desvios nem inovações.

O velho dirige, em virtude do poder de sanção de que dispõem os antepassados que ele representa. O poder dos velhos é enorme e só são postos em causa quando as instituições que ao suportam ou as barreiras que defendem se modificam ou quebram.

A MORTE É UMA VIAGEM...

A proposta de imortalidade do homem explica em grande parte a extraordinária importância que é atribuída à morte e às cerimônias funerárias. De fato, a morte apresenta-se como fator de desequilíbrio por excelência, pois promove a dissolução da união vital em que se encontram os elementos constitutivos do ser humano, estado este que faz configurar a existência visível. Tal capacidade torna a morte um evento abrangente devido à interferência que exerce em vários níveis da realidade, desde as concepções que definem o homem até a necessidade de recomposição dos papéis sociais, principalmente quando sua ação recai sobre mandatários de significado social mais abrangente, como chefes de família, de comunidade ou reis, figuras que tendem a sintetizar as ações históricas mais expressivas para o grupo segundo os valores que caracterizam as civilizações negro-africanas. Para os bantu, a morte é um acontecimento brutal, contrário à natureza e à harmonia, visto que, embora sempre permaneça a esperança ontológica, destrói certos componentes da pessoa. Acarreta uma diminuição da vida.

Vêem-na como um fracasso da solidariedade, a máxima perturbação da participação vital, uma conseqüência da fragilidade humana. Por isso cada morte entristece o grupo, alerta-o contra repetições e, se não for violenta, agita a comunidade que emprega a terapêutica místico-mágica para remediar o desconcerto.

Causa uma desordem social porque a participação foi perturbada e a interação transformada.

A morte patenteia uma ação hostil, desagregadora. Nada aparece mais anti-social e desordenado do que “comer uma vida”, usurpar a um indivíduo o direito de viver com intensidade e privar a comunidade duma riqueza.

É sempre dolorosa, denunciadora de ameaças para a comunidade. Juntamente com a esterilidade, constitui a mais grave desordem e a maior ofensa à pessoa que, embora continue a viver com os antepassados, perde uma parte constitutiva.

Todavia, vimos morrer uns tantos bantu e assombra-nos comprovar que a sua morte não foi dramática; aceitaram-na com resignação, paz e calma. Não houve um gesto de revolta, nem uma só queixa. Parece que a morte não os assusta.

Talvez uma primeira explicação para tal atitude provenha da convicção de que não tem que dar contas das suas ações terrenas. Não sentem a incerteza do prêmio ou do castigo, nem há lugar para remorsos ou inquietação para o futuro. A morte é misteriosa na sua causa, mas realizadora duma vida nova. A razão exata talvez se apóie na convicção de que a morte não pode levar a nada: depois da morte encontrar-se-ão com os antepassados e continuarão unidos aos vivos. A solidariedade não se dilui, viverão em família.

A morte é uma viagem. No termo voltarão a encontrar os seus, já que os laços não se rompem. Também é certo que depois duma história de guerras, epidemias, fomes, escravidão e enfermidades endêmicas, já se habituaram a morrer. A mortalidade é tão elevada e a morte tão imprevista que se lhes tornou familiar. Esta familiaridade com a morte é também uma herança angolana.

A sociedade, entretanto, reorganiza-se rapidamente a fim de promover a superação da morte e restabelecer o equilíbrio, o que é conseguido através das cerimônias funerárias. Nestas, uma proposição básica é a da superação cultural da morte através de atos tendentes a caracterizar a natureza exterior à ordem social que lhe é atribuída. Outra dimensão fundamental das cerimônias funerárias é a da participação efetiva da sociedade nos processos de separação dos elementos vitais que constituem o homem, desagregados pela ação da morte, fazendo-os inserir-se em instâncias precisas da natureza, como a terra que recebe o corpo – salvo nos casos de mumificação – e as massas de vitalidade às quais geralmente retorna o princípio de animalidade e espiritualidade. Já o princípio vital de imortalidade é encaminhado ao mundo privativo dos ancestrais, no qual passa a manifestar-se, em outras condições existenciais e desde que não venha a fazer parte de um novo membro da comunidade. Esses fatores explicam a notável importância conferida às cerimônias funerárias que, se em parte podem ser consideradas como ritos de passagem, de outro se constituem em ritos de permanência, pois delas nascem os ancestrais.

A complexidade das cerimônias funerárias não é devida, portanto, a fatores de ordem psicológica; elas revelam a capacidade de a sociedade dominar a desordem provocada pela morte e dar continuidade à vida ao elaborar o ancestral, fazendo com que a imortalidade do homem se configure de maneira precisa e em relação vital com o grupo social. Assim como nos processos de formação da personalidade, a tarefa de promover a superação da morte é atribuição e responsabilidade da comunidade como um todo. E é por essa razão, também, que se respeitam pessoas mais velhas nessas sociedades!


10 de novembro de 2009- A imagem é da versão angolana dos simpsons

quinta-feira, 12 de novembro de 2009


Agora, o motivo é Kenzo

Lembram-se do caso da Ana Carolina? Tinha tudo para ser uma adolescente de bem com a vida: bela, inteligente magra e elegante... No entanto, era muito gorda para trabalhar na China e muito magra para os mexicanos! Que desgraça... Sua amiga e colega de apartamento era bulímica, que é o sintoma inverso ao de Ana. As vítimas preferenciais da anorexia e bulimia são exatamente adolescentes de 15 a 17 anos, e, se tratadas, poucas conseguem retomar a vida normal porque, na maioria dos casos, a doença torna-se crônica e fatal. A anorexia é mais rara. A pessoa recusa-se a comer. Já nas bulímicas o sintoma é inverso: elas têm crises em que comem sem controle nenhum e, depois, provocam o vômito ou usam de laxantes e diuréticos para não ganharem peso. Na novela da Globo “Viver a Vida”, traz uma personagem chamada Renata, vivida por Bárbara Paz, jovem que sofre de drunkorexia, um transtorno cada vez mais comum, que é um misto de alcoolismo e anorexia. Nestes casos frequentemente se troca a comida pelo álcool. Não só a obsessão pela magreza faz com que algumas meninas se tornem drunkorexicas: muitas vezes o problema pode ser por questões emocionais mais complexas. Na trama de Manoel Carlos, Renata vive frustrada por sua carreira de atriz e modelo não dar certo e sempre se lamenta a base de vários goles. O autor já adiantou que quando a personagem for largada pelo namorado, Miguel (Mateus Solano), que não aprova suas atitudes, seu vício aumentará e ela vai se definhar. Na vida real, jovens sofrem do distúrbio e muitas vezes não sabem. Estrelas como Amy Winehouse, Lindsay Lohan e Britney Spears sofrem do transtorno e já apareceram publicamente em situações péssimas. Elas combinam álcool e drogas com pouca ou nenhuma comida e acabam internadas em clínicas de reabilitação. Algumas destas são doenças antiqüíssimas. Podem ser identificadas inclusive nos santos que jejuavam como forma de beatitude. Só que antes o motivo era Deus, agora é o Kenzo, Dior e outras griffes da moda.

Na nossa cultura ocidental, ser magro é o sinônimo de sucesso e de beleza e nos esquecemos que supervalorizar a magreza pode nos levar à morte e as adolescentes, em idade de crise, são a população de alto risco como nos temos apercebido.

Relacionado com essas doenças, estão as pílulas perigosas, que são inibidoras de apetite. E que há até bem pouco tempo era ou ainda é, a dieta dos sonhos de qualquer gordo. A fen-phen, como era conhecida, não sei se ainda existe em circulação; porque a clínica Mayo, nos EUA, divulgou já há alguns anos que esse tratamento envolve risco de vida. A combinação era para ser usada como tratamento em casos sérios de obesidade, em que a necessidade justificasse os riscos – mas acabou sendo usada até por quem desejava perder alguns quilos. O problema, observado em vários consumidores de fen-phen, é a formação de uma substância branca e gordurosa que impede o fechamento completo das válvulas que controlam o fluxo do sangue no coração. Mais de vinte milhões de americanos e outros milhares em outras partes do mundo consomem a combinação fen-phen, que tem no Brasil um coquetel similar denominado Femproporex. O estudo representa novo baque na indústria dos inibidores de apetite. Outra questão se relaciona com aquelas modelos que, contratadas e enviadas para o estrangeiro, passam fome por não terem condições para se manter. Os agentes dessas modelos deveriam ser responsabilizados, até judicialmente. A meu ver, o caso já é de polícia...

Muitas delas até são menores de idade. Deveria, penso, haver uns tantos censores da propaganda televisiva contra aqueles que fizessem apologia à magreza e aos inibidores de apetite. É do nosso inteiro conhecimento que o discurso publicitário vise sempre apelar à sensibilidade, mobilizar o desejo, induzir o potencial consumidor a optar por um determinado produto, mesmo que seja fatal e os seus argumentos são muitas vezes de natureza emocional, apela-se ao sentimento e a motivações de natureza inconsciente. Ser diferente, num mundo de semelhanças, é para muitos desses senhores publicitários – apologistas da magreza – uma definição e uma realização de uma estratégia, que torne únicos seus produtos mortíferos e serviços.

O cerne da questão é: pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa desde criança e o seu conceito de beleza? Não sei...

João Portelinha in Jornal o Estado

Agora, o motivo é Kenzo

Lembram-se do caso da Ana Carolina? Tinha tudo para ser uma adolescente de bem com a vida: bela, inteligente magra e elegante... No entanto, era muito gorda para trabalhar na China e muito magra para os mexicanos! Que desgraça... Sua amiga e colega de apartamento era bulímica, que é o sintoma inverso ao de Ana. As vítimas preferenciais da anorexia e bulimia são exatamente adolescentes de 15 a 17 anos, e, se tratadas, poucas conseguem retomar a vida normal porque, na maioria dos casos, a doença torna-se crônica e fatal. A anorexia é mais rara. A pessoa recusa-se a comer. Já nas bulímicas o sintoma é inverso: elas têm crises em que comem sem controle nenhum e, depois, provocam o vômito ou usam de laxantes e diuréticos para não ganharem peso. Na novela da Globo “Viver a Vida”, traz uma personagem chamada Renata, vivida por Bárbara Paz, jovem que sofre de drunkorexia, um transtorno cada vez mais comum, que é um misto de alcoolismo e anorexia. Nestes casos frequentemente se troca a comida pelo álcool. Não só a obsessão pela magreza faz com que algumas meninas se tornem drunkorexicas: muitas vezes o problema pode ser por questões emocionais mais complexas. Na trama de Manoel Carlos, Renata vive frustrada por sua carreira de atriz e modelo não dar certo e sempre se lamenta a base de vários goles. O autor já adiantou que quando a personagem for largada pelo namorado, Miguel (Mateus Solano), que não aprova suas atitudes, seu vício aumentará e ela vai se definhar. Na vida real, jovens sofrem do distúrbio e muitas vezes não sabem. Estrelas como Amy Winehouse, Lindsay Lohan e Britney Spears sofrem do transtorno e já apareceram publicamente em situações péssimas. Elas combinam álcool e drogas com pouca ou nenhuma comida e acabam internadas em clínicas de reabilitação. Algumas destas são doenças antiqüíssimas. Podem ser identificadas inclusive nos santos que jejuavam como forma de beatitude. Só que antes o motivo era Deus, agora é o Kenzo, Dior e outras griffes da moda.

Na nossa cultura ocidental, ser magro é o sinônimo de sucesso e de beleza e nos esquecemos que supervalorizar a magreza pode nos levar à morte e as adolescentes, em idade de crise, são a população de alto risco como nos temos apercebido.

Relacionado com essas doenças, estão as pílulas perigosas, que são inibidoras de apetite. E que há até bem pouco tempo era ou ainda é, a dieta dos sonhos de qualquer gordo. A fen-phen, como era conhecida, não sei se ainda existe em circulação; porque a clínica Mayo, nos EUA, divulgou já há alguns anos que esse tratamento envolve risco de vida. A combinação era para ser usada como tratamento em casos sérios de obesidade, em que a necessidade justificasse os riscos – mas acabou sendo usada até por quem desejava perder alguns quilos. O problema, observado em vários consumidores de fen-phen, é a formação de uma substância branca e gordurosa que impede o fechamento completo das válvulas que controlam o fluxo do sangue no coração. Mais de vinte milhões de americanos e outros milhares em outras partes do mundo consomem a combinação fen-phen, que tem no Brasil um coquetel similar denominado Femproporex. O estudo representa novo baque na indústria dos inibidores de apetite. Outra questão se relaciona com aquelas modelos que, contratadas e enviadas para o estrangeiro, passam fome por não terem condições para se manter. Os agentes dessas modelos deveriam ser responsabilizados, até judicialmente. A meu ver, o caso já é de polícia...

Muitas delas até são menores de idade. Deveria, penso, haver uns tantos censores da propaganda televisiva contra aqueles que fizessem apologia à magreza e aos inibidores de apetite. É do nosso inteiro conhecimento que o discurso publicitário vise sempre apelar à sensibilidade, mobilizar o desejo, induzir o potencial consumidor a optar por um determinado produto, mesmo que seja fatal e os seus argumentos são muitas vezes de natureza emocional, apela-se ao sentimento e a motivações de natureza inconsciente. Ser diferente, num mundo de semelhanças, é para muitos desses senhores publicitários – apologistas da magreza – uma definição e uma realização de uma estratégia, que torne únicos seus produtos mortíferos e serviços.

O cerne da questão é: pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa desde criança e o seu conceito de beleza? Não sei...