MEU ROMANCE

MEU ROMANCE
O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O HOMEM DA TIPOLOGIA

Autor: João Portelinha


Concedo-me o direito a um excurso. Conheci o escritor Juarez Moreira Filho como professor universitário na Ulbra em 1998 (lamento não saber agora precisar o dia e a hora, mas não guardo, como outros mais metódicos, datas célebres em blocos de notas sempre disponíveis): um rosto aberto, sempre com barba bem feita, o cabelo impecavelmente cortado, a construção sólida, a indumentária sem quaisquer alardes, certa.  E eu que o imaginava um desses intelectuais de longos cabelos, desleixado, emblemático (sem ofensa)!
Do nosso convívio posterior surgiu uma confirmação dessa primeira empírica impressão: alguém perfeitamente seguro de si, alguém determinado a realizar as suas opções, alguém senhor de uma pertinácia que parecia extinta na extirpe. Uma visita a sua casa confirmará tudo: não me lembro de lá ter entrado (e muitas foram às vezes) sem que, contudo estivesse no seu exato lugar, no cumprimento estrito das suas funções com divisórias claramente definidas... O escritório numa arrumação de fazer inveja, sem nenhum objeto deslocado!  Uma biblioteca repleta de livros, alguns raros, que certamente competiria com vantagem com qualquer biblioteca pública da nossa urbe. Esse caráter metódico, rigoroso em extremo de toda sua vida (doméstica ou publica) é a pedra de toque do seu trabalho de escritor, documentado brilhantemente nas páginas dos seus abundantes e premiados livros - a segunda edição deste livro de contos, Tipos de Rua, lançada no 6º Salão do Livro, Palmas, Capital do Tocantins, se esgotou rapidamente, foi um sucesso de venda, aliás, como são todas suas obras e indicado para o Vestibular 2011, da Universidade Federal do Tocantins.  Mas não se pense que esse gosto de rigor e método que a si próprio impõe, leva o escritor tocantinense a cercear a liberdade de criação, o golpe de asa inventivo. Nada disso. O que caracteriza os seus escritos é justamente o equilíbrio entre a investigação praticada com a seriedade acadêmica e a originalidade dos enfoques, o compromisso com uma visão pessoalíssima dos objetos que trata.  JUAREZ MOREIRA FILHO é de fato um contista nato, moderno, usa a linguagem que lhe convém, a regionalista. Tratando-se de um escritor regionalista não poderia ser diferente! Seus contos são curtos, precisos, concisos, usando com desenvoltura de mestre do regionalismo o elemento surpresa que, aliás, enche a obra com emotividade, graça, beleza, sentimento, tristeza e nostalgia.  A linguagem usada pelo contista é bem moderna, direta, cheia de objetividade e precisão, dando uma unidade de impressão aos seus contos, uma densidade de fazer inveja aos melhores contistas brasileiros.
Nesta linha, TIPOS DE RUA é uma obra caracterizada pela espontaneidade emotiva, amorosa e vibrátil, um estilo todo tecido de imagens que fulguram, vida intensa e ofuscante, cheia de luminosidade que nos vislumbra, tudo escrito com leveza e graça entusiasmante. Seu estilo é artisticamente formado, transparente, fácil e claro, contudo rica de significação. Seus contos, a bem da verdade, são bastante realistas, pessoais e plasticamente expressivos. As pessoas aqui retratadas têm sentimentos resguardados por excesso de timidez ou extravagâncias. No decorrer desta obra, o autor se compraz em descobrir a beleza da natureza humana que se movimenta no quadro assim formado com destinos diversos dos seus personagens e fatos pitorescos através das recordações dos tempos vividos em Dueré, sua querida terrinha, onde o autor passou sua infância e adolescência e cujo cenário se desenrola os acontecimentos descritos na sua narração Em todas as cidades vamos encontrar pessoas que desprovidas da sorte, humildes, por serem portadores de algumas deficiências, pelo seu comportamento, por possuírem traços considerados exóticos ou pela sua postura, tiveram e têm seus nomes ligados à história de uma cidade ou de um lugarejo como de Duaré. Geralmente esses tipos de rua, como o Bacana, João da Rua, o Fogosinho, Ligeirinho, Maria louca, Chico da Pratinha, o Zé Preá, Zé Calundu, O Jóia, Maria Madalena, entre outros, vivem, como tantas outras, a mercê da solidariedade de pessoas bondosas e caridosas. Dormem pelas sarjetas e ficam na rua ser ter o que comer. Passam por necessidades extremas e como se diz no popular “vivem com a casa nas costas”. Perambulam assim pelas cidades e vez ou outra fazem sua morada debaixo de pontes, beira de rios e becos, praças e em frente das igrejas...  Esses lugares são recantos preferidos, destes personagens tornados verdadeiros heróis e figuras principais destes maravilhosos contos do JUAREZ, que perambulam pelas cidades geralmente vitimas de chacotas, de desprezo, gozações e até compaixão... No entanto, e aqui reside o lado interessante da narração, alguns personagens, como Sô Bacana, por exemplo, não são assim “tão vitimas” do meio social em que viviam, eles também “aprontam”... Era aquele que desfilava pelas ruas de Duerê, como se fosse dono da cidade... Mandando em tudo ali... Dando palpites... Ditando ordens que não eram cumpridas. Mas mesmo assim ele continuava dando ordens, que eram, iguais a riscos na água, João da Rua era pobretão, mas um tipo de corajoso, aguerrido, e explosivo, ambos certamente expressões de uma dolorosa tragédia humana, que bem nos retrata o autor, mostrando-nos a outra face da moeda.  É verdade que, para, além disso, o autor como narrador onisciente, descreve-nos, também, a realidade regional com tanta precisão que nos oferece com precisão a fisionomia da sua cidade.
Infelizmente, muitas cidades brasileiras já sepultaram seus tipos de rua há muitos anos!  Quando uma cidade sepulta no anonimato os seus tipos de rua, é sinal de que o humanismo desapareceu das esquinas e o tempo/relógio passou a controlar a vida dos seus habitantes. Felizmente “eles ainda existem – e são palpáveis – nas pequenas cidades, nas vilas e nos vilarejos, nas cidades grandes, nas metrópoles, mas aí ficam invisíveis, ignorados, diluindo-se, de dia, no burburinho das multidões e, à noite como a lua e as estrelas -, ofuscando-se sob o clarão dos refletores, das lâmpadas incandescentes e dos anúncios luminosos”, como bem nos explica a escritora Ney Alves de Oliveira que prefaciou muito bem a obra em pauta na sua 3ª Edição.
         De resto, todos nós nos lembramos de certas figuras pitorescas dos lugares onde vivemos. Se me perguntarem qual o personagem mais castiço de rua que eu conheço, certamente eu apontaria um, o Mestre Damoda, que me marcou a infância, em Luanda e que é era a “cara” do Sô Bacana, digamos um “Bacana angolano”.  Como esquecer a imagem daquela criatura metida a sebo, elegantemente vestido, de paletó e tudo, dando ordens, fazendo discursos ininteligíveis, como Sô Bacana, na porta do CINE TIVOLI, em Luanda?   Quando o povo aplaudia, mais ele se empolgava. O seu discurso começava assim... Camaradas quem é que é bom nos discursos? E todo mundo dizia, em uníssono, que era ele, o mestre Damoda!  Sabem que o nosso país não esta bom? E todos diziam que sabiam que sim, que não andava bem o país... E ele explicava as razões... É por causa do “espirronismo da crítica-crítica” que afetou a nossa nação! Entenderam? E todos nós dizíamos que sim, sem entendermos patavina do que ele dizia.  Até hoje, depois de tantos anos, tenho uma foto com este ilustre e inesquecível personagem da história da minha cidade.  Isto é somente um pequeno exemplo, porque existem inúmeras figuras que engrossaram as fileiras de figuras pitorescas, folclóricas e populares da minha cidade e País que caíram no esquecimento por não termos um narrador onisciente como JUAREZ, que nos descreva, também, a nossa realidade regional, suas figuras pitorescas, folclóricas e populares com tanta precisão, a fisionomia de muitos lugarejos históricos angolanos, como nos oferece o autor nesta premiada obra escolhida para o Vestibular de 2011, da UFT, que com toda justiça soube prestigiar um dos melhores escritores do Estado, do Brasil e do espaço lusófono, do qual me orgulho também pertencer.  Obrigado meu amigo, por esta maravilha da nossa Literatura! 

           PREFÁCIO


        O descritivismo pictorial em OCO DO MUNDO


Autor: João Portelinha

        A regra é clara, normalmente, aquele que escreve um livro convida alguém tão ilustre ou mais ilustre para prefaciar seu trabalho. Mas o escritor e advogado JUAREZ MOREIRA FILHO preferiu ver seu livro prefaciado por alguém que não é tão ilustre como ele nem tão ilustre como os prefaciadores das edições anteriores. A minha sorte é que o valor da obra OCO DO MUNDO, fez esgotar rapidamente tais edições e com a sua reedição, a terceira, tenho oportunidade e a honra de prefaciar esta maravilha da nossa literatura!
         O livro terá certamente várias categorias de leitores; de um lado, os estudiosos do regionalismo brasileiro; de outro, os amantes da boa leitura. Atrevo-me a dizer que para uns e para outros a leitura desta obra será sumamente proveitosa.
         Um lugar à parte na obra do autor é ocupado pelo romance poderosamente estruturado e de um estilo sempre admirável. Numa apresentação tão sucinta como esta, não é possível pôr em relevo as múltiplas qualidades que o fazem, com toda justiça, ser admirado por uma multidão de fiéis leitores, pois sua vasta obra está em todas as livrarias da nossa capital, nas bancas de revistas e na própria Internet.  
         Entende-se por romance regionalista, aquele que põe o seu foco em determinada região do nosso imenso Brasil, visando retratá-la, de maneira mais superficial ou mais profunda, conforme o gosto de quem a escreve. Além disso, são sempre marcados por um “pequeno realismo”, como afirma o estudioso Nelson Wernek Sodré, que está preocupado em retratar minúcias da linguagem, dos costumes, do folclore e em valorizar o caráter grandioso da natureza brasileira, a flora e a fauna.  Embora todos estes requisitos sejam abundantes neste romance, Juarez vai mais longe, o OCO DO MUNDO, vilarejo aludido no livro, não é um lugar geograficamente localizável no mapa do país, por ser ficcional. No entanto, com o seu descritivismo pictorial bem trabalhado no romance, o autor remete-nos necessariamente para este vilarejo igual a tantos outros numa região geograficamente reconhecível - o norte de Goiás. E confirmando muito mais um compromisso com as tradições regionalistas desta região específica do que propriamente com a toponímia destes lugares com características comuns como Porto Nacional, Natividade, Paraná, Cristalândia, Dueré, que o autor conhece muito bem e, inclusive tendo morado nesta cidade, onde viveu a sua infância, em época uma região de exploração de cristal de rocha.
         Em seu romance devemos admirar as descrições do vilarejo OCO DO MUNDO, em cujo cenário se desenrolam grande parte dos acontecimentos; as ruas, os larguinho do povoado, os latidos dos cães vagabundos, os gatos “exodozados’, o Vai- Quem - Quer que movimentava a corretela, as corridas de jegues, os circos pobres, bem como a pintura das personagens que, em maior ou menor grau, estão em contato com o protagonista: os meninos, os palhaços, os tocadores de violas, as mocinhas querendo se perder, o folclore, a idiossincrasia do povo sertanejo, seus usos e costumes. Nos dramas, revela-se grande artista por uma concentração tão  intensa, que o leitor é arrastado pela ação, do começo ao fim. Qualquer aspecto retratado no livro, mesmo quando descreve os aspectos escusos da vida humana, como o filho “aloucado” de seu Ferreiro e Dona Fia, o Cego Frazão, ilustre violeiro, retrata-os com muita mestria, imprime às suas criações força surpreendente e fá-los figuras principais do seu romance. Cada um destes é representado como uma personalidade individualmente caracterizada, e em nenhum lugar se encontram tipos irreais, tipos inventados. Essas descrições, cuja veracidade ninguém poderá negar um instante sequer, fá-lo um grande pintor da realidade.
         A realidade regional no romance é onipresente. Trata das condições de vida de gente humilde. Suas descrições baseiam-se na mais aguda observação das circunstâncias e dos homens do sertão bruto, cheio de miséria e totalmente desprotegido pelo poder público.
   Quando absorvemos na leitura às condições de vida tão bem descrita pelo autor, temos necessidade de respirar profundamente e pensar nos meios de extinguir, um dia, semelhante miséria. O realismo das discrições faz-nos sonhar com novas e melhores condições de vida e desejar sua efetivação.
                  “Mudam os tempos e, com eles os homens”, afirma um dos nossos velhos provérbios. Com a modernização das técnicas agrícolas, o êxodo rural, o desenvolvimento das cidades e de uma literatura urbana, alguns chegam até a vaticinar o desaparecimento do regionalismo!  Que mude o que tiver que mudar, mutatis mutandis, que mude, por exemplo, a pobreza, o isolamento, a falta da atenção do poder público no sertão!
         No entanto, duma coisa acreditamos, se houver adeptos como Juarez Moreira Filho e Obras como OCO DO MUNDO, este tipo de literatura vai permanecer, contrapondo todas expectativas  pessimistas, pois, o que se vê aqui é o engrandecimento do regionalismo, na pena deste notável escritor, “em que o homem é a expressão maior de toda a criação literária”, como bem disse o grande escritor José Mendonça Teles.
          O romance OCO DO MUNDO trás em seu final um GLOSSÁRIO “de ternos e expressões regionais dicionarizados e não dicionarizados”, onde o escritor Juarez teve a louvável preocupação não só com os leitores em si, mas também com a pesquisa e o alunato. Portanto, uma visão de escritor, leitor, e concomitantemente de educador, uma vez que também é professor.
         Resta-nos apenas agradecer a este gênio da nossa literatura tão representativo, que pode ser considerado um dos melhores escritores regionalistas do Brasil, conhecido nacionalmente, mas essencialmente tocantinense, por nos ter brindado esta obra reeditada, que vem estampada, como sempre, com o estudo circunspecto e profundo da personalidade do povo sertanejo. 

                   OBRIGADO JUAREZ!          

                                                       
Palmas, 08-01-2010

            João Rodrigues Portelinha da Silva
          Presidente da Academia Palmense de Letras