O HOMEM DA TIPOLOGIA
Autor: João Portelinha
Concedo-me o direito a um excurso. Conheci o escritor Juarez Moreira Filho como professor universitário na Ulbra em 1998 (lamento não saber agora precisar o dia e a hora, mas não guardo, como outros mais metódicos, datas célebres em blocos de notas sempre disponíveis): um rosto aberto, sempre com barba bem feita, o cabelo impecavelmente cortado, a construção sólida, a indumentária sem quaisquer alardes, certa. E eu que o imaginava um desses intelectuais de longos cabelos, desleixado, emblemático (sem ofensa)!
Do nosso convívio posterior surgiu uma confirmação dessa primeira empírica impressão: alguém perfeitamente seguro de si, alguém determinado a realizar as suas opções, alguém senhor de uma pertinácia que parecia extinta na extirpe. Uma visita a sua casa confirmará tudo: não me lembro de lá ter entrado (e muitas foram às vezes) sem que, contudo estivesse no seu exato lugar, no cumprimento estrito das suas funções com divisórias claramente definidas... O escritório numa arrumação de fazer inveja, sem nenhum objeto deslocado! Uma biblioteca repleta de livros, alguns raros, que certamente competiria com vantagem com qualquer biblioteca pública da nossa urbe. Esse caráter metódico, rigoroso em extremo de toda sua vida (doméstica ou publica) é a pedra de toque do seu trabalho de escritor, documentado brilhantemente nas páginas dos seus abundantes e premiados livros - a segunda edição deste livro de contos, Tipos de Rua, lançada no 6º Salão do Livro, Palmas, Capital do Tocantins, se esgotou rapidamente, foi um sucesso de venda, aliás, como são todas suas obras e indicado para o Vestibular 2011, da Universidade Federal do Tocantins. Mas não se pense que esse gosto de rigor e método que a si próprio impõe, leva o escritor tocantinense a cercear a liberdade de criação, o golpe de asa inventivo. Nada disso. O que caracteriza os seus escritos é justamente o equilíbrio entre a investigação praticada com a seriedade acadêmica e a originalidade dos enfoques, o compromisso com uma visão pessoalíssima dos objetos que trata. JUAREZ MOREIRA FILHO é de fato um contista nato, moderno, usa a linguagem que lhe convém, a regionalista. Tratando-se de um escritor regionalista não poderia ser diferente! Seus contos são curtos, precisos, concisos, usando com desenvoltura de mestre do regionalismo o elemento surpresa que, aliás, enche a obra com emotividade, graça, beleza, sentimento, tristeza e nostalgia. A linguagem usada pelo contista é bem moderna, direta, cheia de objetividade e precisão, dando uma unidade de impressão aos seus contos, uma densidade de fazer inveja aos melhores contistas brasileiros.
Nesta linha, TIPOS DE RUA é uma obra caracterizada pela espontaneidade emotiva, amorosa e vibrátil, um estilo todo tecido de imagens que fulguram, vida intensa e ofuscante, cheia de luminosidade que nos vislumbra, tudo escrito com leveza e graça entusiasmante. Seu estilo é artisticamente formado, transparente, fácil e claro, contudo rica de significação. Seus contos, a bem da verdade, são bastante realistas, pessoais e plasticamente expressivos. As pessoas aqui retratadas têm sentimentos resguardados por excesso de timidez ou extravagâncias. No decorrer desta obra, o autor se compraz em descobrir a beleza da natureza humana que se movimenta no quadro assim formado com destinos diversos dos seus personagens e fatos pitorescos através das recordações dos tempos vividos em Dueré, sua querida terrinha, onde o autor passou sua infância e adolescência e cujo cenário se desenrola os acontecimentos descritos na sua narração Em todas as cidades vamos encontrar pessoas que desprovidas da sorte, humildes, por serem portadores de algumas deficiências, pelo seu comportamento, por possuírem traços considerados exóticos ou pela sua postura, tiveram e têm seus nomes ligados à história de uma cidade ou de um lugarejo como de Duaré. Geralmente esses tipos de rua, como o Bacana, João da Rua, o Fogosinho, Ligeirinho, Maria louca, Chico da Pratinha, o Zé Preá, Zé Calundu, O Jóia, Maria Madalena, entre outros, vivem, como tantas outras, a mercê da solidariedade de pessoas bondosas e caridosas. Dormem pelas sarjetas e ficam na rua ser ter o que comer. Passam por necessidades extremas e como se diz no popular “vivem com a casa nas costas”. Perambulam assim pelas cidades e vez ou outra fazem sua morada debaixo de pontes, beira de rios e becos, praças e em frente das igrejas... Esses lugares são recantos preferidos, destes personagens tornados verdadeiros heróis e figuras principais destes maravilhosos contos do JUAREZ, que perambulam pelas cidades geralmente vitimas de chacotas, de desprezo, gozações e até compaixão... No entanto, e aqui reside o lado interessante da narração, alguns personagens, como Sô Bacana, por exemplo, não são assim “tão vitimas” do meio social em que viviam, eles também “aprontam”... Era aquele que desfilava pelas ruas de Duerê, como se fosse dono da cidade... Mandando em tudo ali... Dando palpites... Ditando ordens que não eram cumpridas. Mas mesmo assim ele continuava dando ordens, que eram, iguais a riscos na água, João da Rua era pobretão, mas um tipo de corajoso, aguerrido, e explosivo, ambos certamente expressões de uma dolorosa tragédia humana, que bem nos retrata o autor, mostrando-nos a outra face da moeda. É verdade que, para, além disso, o autor como narrador onisciente, descreve-nos, também, a realidade regional com tanta precisão que nos oferece com precisão a fisionomia da sua cidade.
Infelizmente, muitas cidades brasileiras já sepultaram seus tipos de rua há muitos anos! Quando uma cidade sepulta no anonimato os seus tipos de rua, é sinal de que o humanismo desapareceu das esquinas e o tempo/relógio passou a controlar a vida dos seus habitantes. Felizmente “eles ainda existem – e são palpáveis – nas pequenas cidades, nas vilas e nos vilarejos, nas cidades grandes, nas metrópoles, mas aí ficam invisíveis, ignorados, diluindo-se, de dia, no burburinho das multidões e, à noite como a lua e as estrelas -, ofuscando-se sob o clarão dos refletores, das lâmpadas incandescentes e dos anúncios luminosos”, como bem nos explica a escritora Ney Alves de Oliveira que prefaciou muito bem a obra em pauta na sua 3ª Edição.
De resto, todos nós nos lembramos de certas figuras pitorescas dos lugares onde vivemos. Se me perguntarem qual o personagem mais castiço de rua que eu conheço, certamente eu apontaria um, o Mestre Damoda, que me marcou a infância, em Luanda e que é era a “cara” do Sô Bacana, digamos um “Bacana angolano”. Como esquecer a imagem daquela criatura metida a sebo, elegantemente vestido, de paletó e tudo, dando ordens, fazendo discursos ininteligíveis, como Sô Bacana, na porta do CINE TIVOLI, em Luanda? Quando o povo aplaudia, mais ele se empolgava. O seu discurso começava assim... Camaradas quem é que é bom nos discursos? E todo mundo dizia, em uníssono, que era ele, o mestre Damoda! Sabem que o nosso país não esta bom? E todos diziam que sabiam que sim, que não andava bem o país... E ele explicava as razões... É por causa do “espirronismo da crítica-crítica” que afetou a nossa nação! Entenderam? E todos nós dizíamos que sim, sem entendermos patavina do que ele dizia. Até hoje, depois de tantos anos, tenho uma foto com este ilustre e inesquecível personagem da história da minha cidade. Isto é somente um pequeno exemplo, porque existem inúmeras figuras que engrossaram as fileiras de figuras pitorescas, folclóricas e populares da minha cidade e País que caíram no esquecimento por não termos um narrador onisciente como JUAREZ, que nos descreva, também, a nossa realidade regional, suas figuras pitorescas, folclóricas e populares com tanta precisão, a fisionomia de muitos lugarejos históricos angolanos, como nos oferece o autor nesta premiada obra escolhida para o Vestibular de 2011, da UFT, que com toda justiça soube prestigiar um dos melhores escritores do Estado, do Brasil e do espaço lusófono, do qual me orgulho também pertencer. Obrigado meu amigo, por esta maravilha da nossa Literatura!
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