MEU ROMANCE

MEU ROMANCE
O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Similar dos Chupins

Tenho em casa um clássico livro sobre os Pássaros do Brasil, do maior ornitólogo brasileiro, Eurico Santos. “Descobri” um espantoso e quase surpreendente desempenho “humano” de uma ave que também usa de estúcia, má fé e impiedade para exercer um largo período de domínio parasitário sobre outra, fingindo-se até sua semelhante!

Depois de enumerar os vários nomes também aplicados ao pássaro em diferentes regiões do país (chupins, gaudério ou godero, papa-arroz, parasita), informa-nos o autor que a ave freqüenta os campos e os pastos, caminhando pelo solo, revolvendo o esterco ainda fresco à procura de pedaços de milho. O seu nome ‘vira-bosta’ provém deste fato. O autor completa a lição, pondo em relevo a outra faceta do comportamento do pássaro, que levou a receber seu outro nome, dizendo que chupim (vira-bosta) ora põe um ovo, ora mais, e, por vezes, chega a jogar fora do ninho os ovos do legítimo proprietário, e não raro luta com ele para fazer a indesejável postura. Quando nascem os filhotes do intruso, quase sempre maior que do seu hospedeiro, estes estão irremediavelmente perdidos. Valendo-se do direito da força, não tem escrúpulos em lançar fora do ninho os seus “irmãos de leite”. Nem sempre conseguem os vira-bostas (chupins) expulsar do ninho os seus naturais proprietários e, verificando a impossibilidade de fazê-lo, conformam-se. Como, porém são quase sempre maiores e mais fortes, tomam todo o alimento que lhes traz a mãe adotiva e assim vê os seus próprios filhos legítimos desmedrarem e morrerem de inanição. É chegado o momento de indagarmos quais os motivos desta aberração nos hábitos do chupim e de outros pássaros. Será realmente uma degradação de costumes, como se verifica nas várias escalas do parasitismo? Onde, porém, a ornitologia se fasta desmesuradamente da realidade humana do país, é na avaliação de quantos à custa de quantos vivem? Cada um dos filhotes do chupim é criado à custa de um ou dois filhotes do seu hospedeiro? E no outro caso, o humano, cada um desses parasitas é alimentado à custa de milhões de crianças que a desumanidade das megalópoles, depois que as degradaram à condição de desprezíveis farrapos humanos, os batizou com a criminosa indiferença de menores abandonados. Porém, ó Deus dos desgraçados, o pior e o mais infame de toda história dos abandonados é o surgimento do excessivo e vergonhoso fenômeno do menor abandonado parece ter chegado a se avolumar como presente dos deuses para certo grupo seletivo de pessoas bafejadas pela fortuna alheia. Vejamos: os governos, festivamente, falam dele, legislam sobre ele. E dolorosamente se promovem à custa dele. Políticos profissionais, ministros, secretários de estado e de Municípios e candidatos a cargos eletivos discursam e prometem céus e terras. Enquanto eles mentem nos comícios eleitoreiros, prometendo ad captandum vulgus (para cativar a multidão) o que sabem de antemão que não podem dar como candidatos, o povo se esquece de pleitear e reivindicar tudo aquilo que foi prometido pelos políticos em suas campanhas por ocasião dos seus pleitos. Enquanto isso...

Centenas de cupinchas agraciados com emprego público ante a impunidade dos homens e a indiferença dos deuses, roubam milhões de reais destinados às merendas escolares, saúde e à educação das nossas crianças, roubam ao país descarada e impunemente.

Em “O Procurador da Judéia”, Anatole France interpretou, de forma magistral, o grau de indiferença com que Pôncio Pilatos dava conta de suas importantes funções. Interpelado numa estação de banhos termais, sobre a tragédia do pregador da Galiléia, “Aquele Jesus Cristo”, Pilatos respondeu: - Cristo? Que Cristo? Não me lembro...

É provável que, ao interpelamos sobre a fome e corrupção, alguns altos dignitários retruquem em uníssono: Corrupção? Fome no Brasil? E os milhares de “panetones” que temos distribuído? Quem pode estar com fome? Garotinho? Não me lembro...

Povo! Povo! Quantos crimes se cometem em teu nome?


In "Palmensis Mirabilis" de João Portelinha

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O consumismo destrói o sagrado

“Natal. Missa do Galo. O sapatinho dos minúsculos pés, atrás da porta... Castanhas, nozes, avelãs e vinho. Consoada muito farta que, só de olhar, nos conforta” (Poeta Luís Carlos). Isso, para quase toda gente, diria, excetuando os miseráveis, que não são celebrantes! Para as pessoas mais abastadas, que festejam o natal, a grande festa cristã fica limitada a dois grandes ritos: comprar, de maneira mais ou menos compulsiva, objetos úteis ou não, e empaturrar-se pantagruelmente a si e às pessoas da sua intimidade, numa mistura indestrinçável de sentimentos em que entram igualmente a vontade de dar prazer, a ostentação e a necessidade de se divertir...

É bom que não nos esqueçamos dos pobres pinheiros, símbolos antiqüíssimos que são da perenidade do mundo vegetal, sempre verdes, geralmente trazidos dos bosques para acabarem morrendo em nossas casas... Embora não sendo católico (exceto de nascimento e de tradição), nem protestante (exceto por algumas leituras e influências de alguns grandes exemplos, (caso da companheira das minhas vicissitudes, minha esposa), nem mesmo cristão no sentido pleno do termo, nem por isso me sinto menos levado a celebrar esta grande e maravilhosa festa humana tão rica de significados e o cortejo de outras festas consideradas menores como a páscoa, por exemplo, mas também de cunho religioso.

Mas limitemo-nos ao Natal, esta festa que deveria ser de nós todos. Trata-se de um nascimento, de um nascimento como todos deveriam ser o de uma criança esperada com amor e respeito, trazendo em si as esperanças do mundo. É de bom alvitre que não nos esqueçamos da catástrofe que tem assolado os nossos irmãos catarinenses, paulistas, mineiros, etc, que perderam os seus familiares, suas casas, seus pertences, ficaram sem comida, sem agasalho... E provavelmente, sem nenhuma esperança. Quando comprar brinquedos caros para os seus filhos, pense nas crianças destes lugares que neste momento, de infortúnio, ficariam muito felizes com um brinquedo mais simples do mundo! Se preferir, mande uma lata de leite, que é melhor, porque, com a barriga cheia, eles próprios fazem seus brinquedinhos!

É verdade que ás vezes a extroversão é eficaz e construtiva, mas não seria conveniente que ela fosse em proporção ao grau de problemas que se teve ao longo de todo ano! No entanto, dever-se-ia festejar o Natal com muita solidariedade, com muito amor ao próximo e isso, creio, estar acima de qualquer dogma religioso. Lembro-me de uma velha balada francesa que canta Maria e José procurando timidamente em Belém uma hospedaria para as suas posses, sempre desprezados em favor de clientes mais ricos e reluzentes e por fim insultados por um patrão que detestava a ‘pobralhada’.

É por isso que é a festa dos homens de boa vontade, como dizia uma admirável fórmula que infelizmente já nem sempre se encontra nas versões modernas dos Evangelhos, desde a serva surda-muda que ajudou Maria no parto, até ao José aquecendo as fraldas do recém-nascido diante de um pequeno fogo, aos pastores cobertos de sebo, mas julgados dignos da visita de anjos.

É festa da comunidade humana, porque é, ou será dentro de dias, a festa dos três Reis, cuja lenda quis que um fosse negro, alegoria viva de todas as raças da Terra, levando ao menino a variedade dos seus dons. É a festa da alegria, mas também da dor, pois a criança hoje adorada será amanhã o Homem das Dores. É festa da saudade. Saudade do familiar ou amigo que tenha morrido recentemente e que nesse dia – considerado da família – será lembrado pela sua triste e irreparável ausência.

É enfim, é uma festa que nos ícones da Europa do Leste que vimos tantas vezes prosternadas a entrada da gruta onde o menino nasceu a mesma Terra que na sua marcha atravessa neste momento o ponto do solstício de inverno e nos arrasta a todos para a Primavera. Por esta razão, antes que a Igreja tivesse fixado o nascimento de Cristo nesta data, ela era já nos tempos antigos, a festa do Sol. Parece-me que não é mal lembrar estas coisas que toda a gente sabe e que tantos esquecem. Feliz Natal!

Publicado na minha coluna “Palmensis Mirabilis” em 06-12-09

domingo, 29 de novembro de 2009

A DELIQUÊNCIA

Tenho escrito muita coisa sobre a adolescência e cheguei à conclusão que uma análise da adolescência ficaria incompleta se não ocupasse da delinqüência: não tanto em virtude do número ou proporção dos menores delinqüentes, nem do seu eventual aumento nos próximos anos, ou para prolongar o atual eco do seu comportamento, mas sim porque são, de certo modo, os adolescentes típicos, os que acusam e manifestam mais nitidamente as dificuldades da sua idade. Há que renunciar imediatamente, se os quisermos compreender, a considerá-los exceções, mesmo numerosas, anormais ou pervertidos, mas, pelo contrario, ver neles a figura da adolescência, vivida de uma forma paroxística, em que as dificuldades emergem, se exteriorizam sem travão e conduzem a comportamentos anti-sociais. Por conseguinte, as considerações sobre os jovens delinqüentes são particularmente oportunas, porquanto realçam os problemas de todos os adolescentes, mas avolumando-os de modo que permite uma melhor observação e facilita o seu estudo. Em última análise, todo o adolescente é suscetível de se tornar delinqüente, se as suas condições de vida são de natureza a conduzi-lo à adoção de atitudes anti-sociais.

Convém, pois, inventariar essas condições, para se compreender a gênese da delinqüência, em particular sob uma das formas mais correntes e notáveis – a do grupo, do bando. Por que o Bando? Se for certo que, as três necessidades essenciais da criança e do adolescente consistem em ser amado, “secularizado” e valorizado, verifica-se que os indivíduos frustrados a esse respeito são propensos a procurar uma compensação no bando. Na verdade, corresponde fundamentalmente, pelo menos em parte, à necessidade de afeto, no sentido de que representa um meio solitário cuja cumplicidade e sigilo, que lhe está ligado, servem para reforçar os seus laços. Numa das seqüências do filme “Terrain Vague” assiste-se à integração de uma criança, que houve dizerem-lhe durante o ritual de entronização: ”doravante, o bando será a tua família”. Isto de modo algum significa que as modalidades afetivas do grupo sejam assimiláveis às de uma família normal, mas para aqueles que sofrem com pais deficientes ou negligentes, elimina a sensação de solidão e abandono. Analogicamente o bando satisfaz o desejo de segurança. Perante um universo ainda mal conhecido, impressionante pela vastidão e complexidade, em face de problemas cujos dados conhece, mas cuja evolução ainda não entrevê com clareza, todo o adolescente experimentaria uma sensação de perplexidade, se os seus educadores não lhe proporcionassem o auxilio da sua presença. Quanto estes se encontram ausentes, indiferentes ou indignos, é o grupo que permite escapar à insegurança. A autoridade do chefe substitui, à sua maneira, a da família: indica uma linha de conduta, propõe passatempos, atribui uma função.

Satisfaz, enfim, o desejo de valorização. Na verdade, o bando recruta sobretudo indivíduos inferiorizados:inferiorizados, primeiro porque não receberam o afeto que lhes incutiria o sentimento de serem considerados, reconhecidos, tratados como pessoa humana e, depois, inferiorizados em virtude de insucessos vários que já lhes marcaram a vida. Em muitos casos, são mal classificados na escola, rejeitados pelos professores e até excluídos dos estabelecimentos escolares por razões de disciplina ou insuficiência nos resultados escolares. Vemos, pois, que a deficiência do clima familiar e escolar, independentemente dos motivos, é determinante e afeta gravemente o equilíbrio da criança. Tudo se passa como se as experiências sociais, adquiridas no inicio da sua vida regessem as experiências ulteriores: quando as primeiras se frustrarem, as segundas ressentem-se e resultam por seu turno, falseadas. Assim se explica duplamente agressividade dos adolescentes. Só nos amarão certamente se forem amadas por nós adultos... E depois também o sol não brilha sobre os mal-amados – nos ensina Millôr.


In "Palmensis Mirabilis, 29-11-09

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pintura da minha mãe -1994

CRÍTICA DE ARTE EM TOCANTINS

A crítica de arte é uma atividade que integra a produção cultural há milênios. Não é uma atividade recente como muita gente pensa. Petrônio era tido como um ditador de modas e gostos na Roma imperial do primeiro século depois de Cristo, ou pelo menos apresentava-se como tal. Terminou seus dias cortando os pulsos, por ordem do imperador, talvez insatisfeito com atitude blasé. Desde então, a critica de arte fez gloria ou desgraça de mais de um intelectual. O nosso problema em Tocantins é que os críticos de literatura querem ser de artes plásticas, de cinema, teatro e vice-versa...

Quem critica se expõe! Além de um saudável ceticismo, na medida em que haverá a permanente suspeita de que seu parecer seja meramente opinativo, o crítico enfrenta, não raro, reações destemperadas e bate-bocas, pois a boa crítica é expressa de forma contundente e irá alegrar alguns e magoar outros, por razões emocionais ou financeiras. E se uma obra receber uma avaliação desfavorável vier a ser um sucesso de público, ou vice-versa, haverá os tapinhas nas costas, as ironias e as comparações de sempre sobre falta de sensibilidade dos críticos para colocar o temerário (ai dele!) em seu devido lugar por uns dias. E as reações podem ir mais além. Críticos de arte são postos na berlinda da mídia de tempos em tempos. Pretenso artista frustrado, erudito estéril, destrutivo e irresponsável, as calúnias despejadas sobre analistas de reconhecida competência, sensibilidade e preparo técnico apenas ilustram os sentimentos que o critico suscita junto a artistas, produtores e ao público em geral. É por essa razão ou razões que os críticos tocantinenses quase sempre são “puxa-sacos” e muito favoráveis! Em lançamentos de livros que participei os autores são quase sempre considerados “expoentes máximos da literatura nacional”. Uns comparados a Machado de Assis... Alguns estreantes e com obras aparentemente triviais chegam a ser mesmo comparados a Fernando Pessoa e na pintura, a Picasso! Por outro lado, quem escreve, pinta, borda, faz escultura ou qualquer outro tipo de arte sempre se expõe. É normal nestes casos receber críticas, algumas até indesejáveis... Aí o cidadão se sente ultrajado com as críticas. A não ser que encerre tais obras num lugar herméticante fechado! Mas, mesmo assim, correria o risco de sua família e amigos, ao verem tais obras, opinarem sobre as mesmas! No entanto, queiramos ou não a critica de arte ou, em caráter mais geral, a curadoria, é indispensável. O curador é parte de um establishement que dá ao artista uma dimensão da sua proficiência técnica, da aceitação do seu trabalho e do significado social de que se reveste. Oferece ao público, ou a segmentos específicos de consumidores, um parecer alternativo sobre a obra, muitas vezes esclarecendo aspectos que ficam obscuros para quem não conhece o lado artesanal e técnico do trabalho ou não logra situá-lo histórica ou socialmente. E tem a função de estabelecer alguns parâmetros de aceitabilidade para obras que, embora relevantes para a sociedade, estão no limiar da rejeição por agredirem o bom gosto ou as convenções usualmente admitidas e que, sem um aval de autoridades reconhecidas, seriam condenadas à indiferença.

Há um preço a pagar, um outro lado da moeda, dado pela aceitação na sociedade de uma divisão do trabalho artístico entre artista, que concebe e produz , o curador, que seleciona, agrupa, divulga, traduz ou interpreta socialmente o trabalho do artista, e o marchand, que o coloca no comércio. Nessa organização econômica da cultura, o artista assume o papel da produção braçal, mas os instrumentos que dão substância social à sua obra são colocados pela sociedade nas mãos da curadoria e do comércio. O mercado seria, portanto, redutor do papel do artista. A impressão que eu tenho é que as coisas não funcionam assim em Tocantins... O artista quer que os presidentes das fundações culturais comprem suas obras! Como se a atividade das fundações culturais se consubstanciassem apenas em serem meros compradores de suas obras! O poder público não tem essa obrigação! E quando isso, eventualmente acontece, como é obvio, a obra comprada enquadra-se em uma linha de trabalho especifica; estilo, escola ou movimento... Os demais artistas, com estilos diferentes e que não se encaixam na temática da exposição, sentem-se totalmente marginalizados (é o que acham) por suas obras serem “preteridas” naquele momento... De certa maneira, acostumamo-nos a um Estado paternalista que obviamente já não existe mais...

In “Palmensis Mirabilis”, Jornal O Estado, 19-11-09

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Palestra ministrada por mim na UFT na II Semana Acadêmica de Medicina

Morte e Cultura

Antes de falar-vos sobre a morte, é imperioso, falar-vos, preliminarmente, de duas questões importantes relacionadas com a morte nas sociedades tradicionais africanas, asiáticas e indígenas: o culto aos antepassados e a ancianidade.

1. O Culto aos Antepassados.

Ele desenrola-se nestas sociedades com especial intensidade e freqüência

Para um membro destas sociedades, a vida social em toda sua totalidade, até a manifestação ou gesto mais gratuito, insere-se na necessidade e procura de equilíbrio entre os vivos e os mortos, entre o cosmos e toda a sociedade global, o presente e o passado.

O ser vivente está em contato com a sociedade global constituída por vivos e mortos, vivendo desta feita em igualdade na intimidade uns com os outros, pois essas sociedades compreendem os vivos e os antepassados, entre os quais há um constante intercambio de serviços e forças

Os antepassados são os dominadores da chamada “força Vital” e, por isso, possuem poder normativo sobre os vivos dispensando-lhes ou negando-lhes a força e os dons.

Além de legisladores, os antepassados são também guardiões dos costumes e leis, velando a conduta dos descendentes, que recompensam ou punem conforme sejam ou não observados os ritos e as leis.

A fidelidade as tradições, o respeito aos mortos e aos anciães bem como o cumprimento das cerimônias estão sob o seu controle.

Os antepassados desempenham ainda a função de conselheiros, podem transmitir ordens, inspirações e virtudes especiais aos vivos. Asseguram a boa ordem das relações sociais e a participação de cada um nas atividades sociais segundo a hierarquia de idade e sexo ou função. São ainda os preceitos da tradição ou a inspiração dos antepassados que adéquam os homens aos outros seres e estes ao homem. Punindo ou recompensando (causando doenças ou curando, provocando secas ou chuvas).

É por isso que estas sociedades tradicionais cuidam sempre de lhes oferecerem libações, sacrifícios e súplicas nas tumbas, casas, aldeias, campos, bosques e rios. Os ritos determinados pela tradição devem ser observados com exatidão e com cerimonial estabelecido. Qualquer deslocamento ou ruptura tem resultados nefastos e doutra forma, a represália seria imediata.

O culto aos antepassados decorre logicamente da ontologia d esses povos. Não é uma superstição, uma idolatria, nem a decisão angustiante de uma mentalidade primitiva como pretendem os euro-centristas ou os ocidentais. O culto aos antepassados brota desta feita como um ato de fé na sobrevivência da pessoa aqui e além...

Essa forma de ver o mundo considera tão real o invisível e visível, tem uma necessidade imperiosa e vital de continuar ligado aos seres mais influentes da sua comunidade mesmo que não existam fisicamente. Não nos esqueçamos de que estas sociedades valorizam mais o lado invisível dos seres do que o seu aspecto exterior. Somente a realidade invisível dos seres é autenticamente consistente e até supervalorizada...

Sem entramos por enquanto neste mérito, de ser ou não culto, é sem dúvida mais importante ver que o ato encerra “per si”. O culto, em definitivo, potencializa a vida comunitária e mantém viva em cada membro a responsabilidade de se entregar como uma obrigação ética do maior valor e da maior dignidade destas sociedades tradicionais. A sabedoria ancestral encontrou nele o meio mais apto para consolidar a união entre os vivos, paz e harmonia sociais, ao reunir os membros do grupo em torno da sua comunidade.

O individuo participante toma consciência de ser útil, de viver ao serviço do grupo e de que a sua apostasia pode ser fatal tanto para ele como para a sua comunidade. Sua vida atinge uma finalidade; não encontra o absurdo nem o vazio; e a sua dedicação à solidariedade fortifica a comunidade e o robustece a esperança. Também reforça a autoridade, porquanto atualiza a presença do epônimo e dos antepassados ilustres que anatemizam os dissidentes, dando coesão às estruturas de parentesco c e garantido a sua continuidade, visto que a fecundidade é o dom dos antepassados. Não será acertado em vez de falar de culto aos antepassados falar de um culto à vida? Por intermédio dos antepassados? O culto aos antepassados talvez realize apenas uma imprescindível mediação. Eles seriam os mediadores poderosos, queridos com paixão e temidos até ao teor, ante as reservas mais pujantes da vida.

2. A Ancianidade


Nessas sociedades, a idade, a ancianidade, além de ser uma qualidade pessoal e biológica é, sobretudo uma qualidade social, pois através dos anciãos- quase despegados dos vivos e assimilados aos mortos – manifesta-se o poder dos antepassados. Os anciões, em especial o chefe, o mais-velho, o sekulo(velho), o cacique, são intermediários entre os vivos e os mortos, e prestam o culto supremo aos antepassados.

Assim, nestas sociedades as relações sociais caracterizam-se por uma relativamente clara hierarquização baseada na sucessão cronológica das pessoas. “No cume encontram-se os grandes antepassados da família e depois os descendentes, segundo a ordem de antiguidade: em seguida vêm os vivos: em primeiro lugar, o patriarca, o mais antigo... depois os anciãos e, por último, os mais-novos...

É frequente os chefes e os velhos especularem com poderes mágicos pata assegurarem o seu prestígio, para conseguirem favores e manterem privilégios. Justificando deste modo a decrepitude. A sua eficácia no manejo das forças mágica e na transmição de enfermidades ou desgraças é infalível.

Na realidade com a velhice chega à plenitude social, política e religiosa do homem. Converte-se numa pessoa sagrada. O último mandamento que ensina aos jovens os Nhanek-Humbe diz assim: Na guerra não mates os velhos. Um velho é um “epa iyohi”, que quer dizer, duro e respeitável como crosta da terra, ou noutro sentido, deve ser apreciado, como uma planta medicinal do mesmo nome.

Esta auréola sacra tem uma explicação: o velho encontra-se mais perto da morte, vive em contato especial com o mundo invisível por estar na fronteira de dois mundos. Pode servir de ponte sobre a qual circulam a os mortos e os vivos. A sua pessoa torna-se transmissora da força vital. Ouve a voz do mundo invisível ao qual transmite os anelos da sua descendência e grupo por quem vela.

A comunidade sabe que, em breve, transformado em antepassado, crescerá no velho a “força vital” e poderá decidir a sorte dele. Nos velhos confluem sentimentos contraditórios, pois é tão venerado como temido. De fato, o seu poder é ambivalente.

Pelo seu conhecimento e experiência os usos, costumes e ritos é depositário da sabedoria e seu zeloso guardião. A sua voz junta-se à tradição e à alma comunitária. Só ele explica os segredos da magia e a última razão das coisas. Os velhos falam, os jovens escutam e os homens maduros consultam-nos. Somente eles acumularam a plenitude da sabedoria. Eles são as verdadeiras bibliotecas vivas, desempenham uma missão cultural insubstituível que não podem atraiçoar com medo represálias dos antepassados por isso guardam fidelidade total a tradição e não toleram nem, desvios nem inovações.

O velho dirige, em virtude do poder de sanção de que dispõem os antepassados que ele representa. O poder dos velhos é enorme e só são postos em causa quando as instituições que ao suportam ou as barreiras que defendem se modificam ou quebram.

A MORTE É UMA VIAGEM...

A proposta de imortalidade do homem explica em grande parte a extraordinária importância que é atribuída à morte e às cerimônias funerárias. De fato, a morte apresenta-se como fator de desequilíbrio por excelência, pois promove a dissolução da união vital em que se encontram os elementos constitutivos do ser humano, estado este que faz configurar a existência visível. Tal capacidade torna a morte um evento abrangente devido à interferência que exerce em vários níveis da realidade, desde as concepções que definem o homem até a necessidade de recomposição dos papéis sociais, principalmente quando sua ação recai sobre mandatários de significado social mais abrangente, como chefes de família, de comunidade ou reis, figuras que tendem a sintetizar as ações históricas mais expressivas para o grupo segundo os valores que caracterizam as civilizações negro-africanas. Para os bantu, a morte é um acontecimento brutal, contrário à natureza e à harmonia, visto que, embora sempre permaneça a esperança ontológica, destrói certos componentes da pessoa. Acarreta uma diminuição da vida.

Vêem-na como um fracasso da solidariedade, a máxima perturbação da participação vital, uma conseqüência da fragilidade humana. Por isso cada morte entristece o grupo, alerta-o contra repetições e, se não for violenta, agita a comunidade que emprega a terapêutica místico-mágica para remediar o desconcerto.

Causa uma desordem social porque a participação foi perturbada e a interação transformada.

A morte patenteia uma ação hostil, desagregadora. Nada aparece mais anti-social e desordenado do que “comer uma vida”, usurpar a um indivíduo o direito de viver com intensidade e privar a comunidade duma riqueza.

É sempre dolorosa, denunciadora de ameaças para a comunidade. Juntamente com a esterilidade, constitui a mais grave desordem e a maior ofensa à pessoa que, embora continue a viver com os antepassados, perde uma parte constitutiva.

Todavia, vimos morrer uns tantos bantu e assombra-nos comprovar que a sua morte não foi dramática; aceitaram-na com resignação, paz e calma. Não houve um gesto de revolta, nem uma só queixa. Parece que a morte não os assusta.

Talvez uma primeira explicação para tal atitude provenha da convicção de que não tem que dar contas das suas ações terrenas. Não sentem a incerteza do prêmio ou do castigo, nem há lugar para remorsos ou inquietação para o futuro. A morte é misteriosa na sua causa, mas realizadora duma vida nova. A razão exata talvez se apóie na convicção de que a morte não pode levar a nada: depois da morte encontrar-se-ão com os antepassados e continuarão unidos aos vivos. A solidariedade não se dilui, viverão em família.

A morte é uma viagem. No termo voltarão a encontrar os seus, já que os laços não se rompem. Também é certo que depois duma história de guerras, epidemias, fomes, escravidão e enfermidades endêmicas, já se habituaram a morrer. A mortalidade é tão elevada e a morte tão imprevista que se lhes tornou familiar. Esta familiaridade com a morte é também uma herança angolana.

A sociedade, entretanto, reorganiza-se rapidamente a fim de promover a superação da morte e restabelecer o equilíbrio, o que é conseguido através das cerimônias funerárias. Nestas, uma proposição básica é a da superação cultural da morte através de atos tendentes a caracterizar a natureza exterior à ordem social que lhe é atribuída. Outra dimensão fundamental das cerimônias funerárias é a da participação efetiva da sociedade nos processos de separação dos elementos vitais que constituem o homem, desagregados pela ação da morte, fazendo-os inserir-se em instâncias precisas da natureza, como a terra que recebe o corpo – salvo nos casos de mumificação – e as massas de vitalidade às quais geralmente retorna o princípio de animalidade e espiritualidade. Já o princípio vital de imortalidade é encaminhado ao mundo privativo dos ancestrais, no qual passa a manifestar-se, em outras condições existenciais e desde que não venha a fazer parte de um novo membro da comunidade. Esses fatores explicam a notável importância conferida às cerimônias funerárias que, se em parte podem ser consideradas como ritos de passagem, de outro se constituem em ritos de permanência, pois delas nascem os ancestrais.

A complexidade das cerimônias funerárias não é devida, portanto, a fatores de ordem psicológica; elas revelam a capacidade de a sociedade dominar a desordem provocada pela morte e dar continuidade à vida ao elaborar o ancestral, fazendo com que a imortalidade do homem se configure de maneira precisa e em relação vital com o grupo social. Assim como nos processos de formação da personalidade, a tarefa de promover a superação da morte é atribuição e responsabilidade da comunidade como um todo. E é por essa razão, também, que se respeitam pessoas mais velhas nessas sociedades!


10 de novembro de 2009- A imagem é da versão angolana dos simpsons

quinta-feira, 12 de novembro de 2009


Agora, o motivo é Kenzo

Lembram-se do caso da Ana Carolina? Tinha tudo para ser uma adolescente de bem com a vida: bela, inteligente magra e elegante... No entanto, era muito gorda para trabalhar na China e muito magra para os mexicanos! Que desgraça... Sua amiga e colega de apartamento era bulímica, que é o sintoma inverso ao de Ana. As vítimas preferenciais da anorexia e bulimia são exatamente adolescentes de 15 a 17 anos, e, se tratadas, poucas conseguem retomar a vida normal porque, na maioria dos casos, a doença torna-se crônica e fatal. A anorexia é mais rara. A pessoa recusa-se a comer. Já nas bulímicas o sintoma é inverso: elas têm crises em que comem sem controle nenhum e, depois, provocam o vômito ou usam de laxantes e diuréticos para não ganharem peso. Na novela da Globo “Viver a Vida”, traz uma personagem chamada Renata, vivida por Bárbara Paz, jovem que sofre de drunkorexia, um transtorno cada vez mais comum, que é um misto de alcoolismo e anorexia. Nestes casos frequentemente se troca a comida pelo álcool. Não só a obsessão pela magreza faz com que algumas meninas se tornem drunkorexicas: muitas vezes o problema pode ser por questões emocionais mais complexas. Na trama de Manoel Carlos, Renata vive frustrada por sua carreira de atriz e modelo não dar certo e sempre se lamenta a base de vários goles. O autor já adiantou que quando a personagem for largada pelo namorado, Miguel (Mateus Solano), que não aprova suas atitudes, seu vício aumentará e ela vai se definhar. Na vida real, jovens sofrem do distúrbio e muitas vezes não sabem. Estrelas como Amy Winehouse, Lindsay Lohan e Britney Spears sofrem do transtorno e já apareceram publicamente em situações péssimas. Elas combinam álcool e drogas com pouca ou nenhuma comida e acabam internadas em clínicas de reabilitação. Algumas destas são doenças antiqüíssimas. Podem ser identificadas inclusive nos santos que jejuavam como forma de beatitude. Só que antes o motivo era Deus, agora é o Kenzo, Dior e outras griffes da moda.

Na nossa cultura ocidental, ser magro é o sinônimo de sucesso e de beleza e nos esquecemos que supervalorizar a magreza pode nos levar à morte e as adolescentes, em idade de crise, são a população de alto risco como nos temos apercebido.

Relacionado com essas doenças, estão as pílulas perigosas, que são inibidoras de apetite. E que há até bem pouco tempo era ou ainda é, a dieta dos sonhos de qualquer gordo. A fen-phen, como era conhecida, não sei se ainda existe em circulação; porque a clínica Mayo, nos EUA, divulgou já há alguns anos que esse tratamento envolve risco de vida. A combinação era para ser usada como tratamento em casos sérios de obesidade, em que a necessidade justificasse os riscos – mas acabou sendo usada até por quem desejava perder alguns quilos. O problema, observado em vários consumidores de fen-phen, é a formação de uma substância branca e gordurosa que impede o fechamento completo das válvulas que controlam o fluxo do sangue no coração. Mais de vinte milhões de americanos e outros milhares em outras partes do mundo consomem a combinação fen-phen, que tem no Brasil um coquetel similar denominado Femproporex. O estudo representa novo baque na indústria dos inibidores de apetite. Outra questão se relaciona com aquelas modelos que, contratadas e enviadas para o estrangeiro, passam fome por não terem condições para se manter. Os agentes dessas modelos deveriam ser responsabilizados, até judicialmente. A meu ver, o caso já é de polícia...

Muitas delas até são menores de idade. Deveria, penso, haver uns tantos censores da propaganda televisiva contra aqueles que fizessem apologia à magreza e aos inibidores de apetite. É do nosso inteiro conhecimento que o discurso publicitário vise sempre apelar à sensibilidade, mobilizar o desejo, induzir o potencial consumidor a optar por um determinado produto, mesmo que seja fatal e os seus argumentos são muitas vezes de natureza emocional, apela-se ao sentimento e a motivações de natureza inconsciente. Ser diferente, num mundo de semelhanças, é para muitos desses senhores publicitários – apologistas da magreza – uma definição e uma realização de uma estratégia, que torne únicos seus produtos mortíferos e serviços.

O cerne da questão é: pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa desde criança e o seu conceito de beleza? Não sei...

João Portelinha in Jornal o Estado

Agora, o motivo é Kenzo

Lembram-se do caso da Ana Carolina? Tinha tudo para ser uma adolescente de bem com a vida: bela, inteligente magra e elegante... No entanto, era muito gorda para trabalhar na China e muito magra para os mexicanos! Que desgraça... Sua amiga e colega de apartamento era bulímica, que é o sintoma inverso ao de Ana. As vítimas preferenciais da anorexia e bulimia são exatamente adolescentes de 15 a 17 anos, e, se tratadas, poucas conseguem retomar a vida normal porque, na maioria dos casos, a doença torna-se crônica e fatal. A anorexia é mais rara. A pessoa recusa-se a comer. Já nas bulímicas o sintoma é inverso: elas têm crises em que comem sem controle nenhum e, depois, provocam o vômito ou usam de laxantes e diuréticos para não ganharem peso. Na novela da Globo “Viver a Vida”, traz uma personagem chamada Renata, vivida por Bárbara Paz, jovem que sofre de drunkorexia, um transtorno cada vez mais comum, que é um misto de alcoolismo e anorexia. Nestes casos frequentemente se troca a comida pelo álcool. Não só a obsessão pela magreza faz com que algumas meninas se tornem drunkorexicas: muitas vezes o problema pode ser por questões emocionais mais complexas. Na trama de Manoel Carlos, Renata vive frustrada por sua carreira de atriz e modelo não dar certo e sempre se lamenta a base de vários goles. O autor já adiantou que quando a personagem for largada pelo namorado, Miguel (Mateus Solano), que não aprova suas atitudes, seu vício aumentará e ela vai se definhar. Na vida real, jovens sofrem do distúrbio e muitas vezes não sabem. Estrelas como Amy Winehouse, Lindsay Lohan e Britney Spears sofrem do transtorno e já apareceram publicamente em situações péssimas. Elas combinam álcool e drogas com pouca ou nenhuma comida e acabam internadas em clínicas de reabilitação. Algumas destas são doenças antiqüíssimas. Podem ser identificadas inclusive nos santos que jejuavam como forma de beatitude. Só que antes o motivo era Deus, agora é o Kenzo, Dior e outras griffes da moda.

Na nossa cultura ocidental, ser magro é o sinônimo de sucesso e de beleza e nos esquecemos que supervalorizar a magreza pode nos levar à morte e as adolescentes, em idade de crise, são a população de alto risco como nos temos apercebido.

Relacionado com essas doenças, estão as pílulas perigosas, que são inibidoras de apetite. E que há até bem pouco tempo era ou ainda é, a dieta dos sonhos de qualquer gordo. A fen-phen, como era conhecida, não sei se ainda existe em circulação; porque a clínica Mayo, nos EUA, divulgou já há alguns anos que esse tratamento envolve risco de vida. A combinação era para ser usada como tratamento em casos sérios de obesidade, em que a necessidade justificasse os riscos – mas acabou sendo usada até por quem desejava perder alguns quilos. O problema, observado em vários consumidores de fen-phen, é a formação de uma substância branca e gordurosa que impede o fechamento completo das válvulas que controlam o fluxo do sangue no coração. Mais de vinte milhões de americanos e outros milhares em outras partes do mundo consomem a combinação fen-phen, que tem no Brasil um coquetel similar denominado Femproporex. O estudo representa novo baque na indústria dos inibidores de apetite. Outra questão se relaciona com aquelas modelos que, contratadas e enviadas para o estrangeiro, passam fome por não terem condições para se manter. Os agentes dessas modelos deveriam ser responsabilizados, até judicialmente. A meu ver, o caso já é de polícia...

Muitas delas até são menores de idade. Deveria, penso, haver uns tantos censores da propaganda televisiva contra aqueles que fizessem apologia à magreza e aos inibidores de apetite. É do nosso inteiro conhecimento que o discurso publicitário vise sempre apelar à sensibilidade, mobilizar o desejo, induzir o potencial consumidor a optar por um determinado produto, mesmo que seja fatal e os seus argumentos são muitas vezes de natureza emocional, apela-se ao sentimento e a motivações de natureza inconsciente. Ser diferente, num mundo de semelhanças, é para muitos desses senhores publicitários – apologistas da magreza – uma definição e uma realização de uma estratégia, que torne únicos seus produtos mortíferos e serviços.

O cerne da questão é: pode o sujeito distanciar-se do mundo que observa desde criança e o seu conceito de beleza? Não sei...

domingo, 25 de outubro de 2009

Motivações que agem nos recônditos do poder


A questão da motivação dos políticos é crucial neste debate. Tem-se argumentado comumente, (por ex: na escolha da vida pública) que o interesse deles é pessoal porque “buscam o poder” nas eleições ou de outra maneira. Buscar o poder político é realmente a definição de um político. Mas qual a razão dos políticos buscarem o poder? O poder não é algo que se possa comer ou qualquer coisa do gênero. É o meio para fazer coisas, como diz a minha filha Loara de dez anos. Então, o seu valor obviamente deveria depender do que você pode ter por ele. Se o objetivo final se consubstanciasse apenas na obtenção da riqueza ou consumo, então as habilidades e a energia dos políticos seriam usadas mais proveitosamente nos negócios privados – pelo menos em alguns regimes... Ora, políticos em busca do poder têm a seguinte e interessante lógica, no meu ponto de vista: como o poder político capacita-nos a fazer coisas públicas buscam o poder para buscar o poder, e assim por diante. Assim, como hão de convir comigo, não existe nenhum resultado final para eles. Portanto, na visão geral da economia, essa atividade seria simplesmente inútil e eles não deveriam buscá-lo nem gastar energia nisso, se fossem homens “racionais”... Mas eles realmente se dedicam a essa atividade, geralmente com muito vigor, dedicação, energia e tempo. Uma explicação possível seria de que eles gostam justamente do processus em si, como um jogo ou atividade “final”. Mas esse gosto pelo processo é classicamente denominado “irracional” nessa visão do homem. E é difícil e desconcertante fazer com que a explicação do sistema se baseie inteiramente na conduta irracional. Outra alternativa é que os políticos estão na política para honrarem “a tradição política da família” e coisas do gênero... Para Mills, a elite do poder é de fato um “grupo de status” no sentido Weberiano do que uma “classe” no sentido marxista. Assim, estar no poder ou buscar permanentemente o poder deriva da detenção de certos “papéis” estratégicos. Na sociedade moderna, o poder está institucionalizado. Entre as instituições, pelo menos três possuem uma posição axial: A instituição política, econômica e a militar (mais relevante nos países pouco democráticos). Por isso mesmo, os que estão colocados à frente dessas hierarquias institucionais se sucedem, sendo familiares ou não, ocupando os postos de comando estratégico da estrutura social. Em resumo, na sociedade, as “decisões-chave” (key decision) são tomadas um escol que é composto pelos dirigentes dessas instituições que cada vez mais se encontram concentradas e, entre elas, existe uma solidariedade inquebrantável, cada vez maior e intercambiáveis. Tais hierarquias institucionais penetram-se, compenetram-se, e entre as mesmas a circulação faz-se fácil e frequentemente. Porque à frente delas estão dirigentes cujas origens de consangüinidade, de classe, status, formação e interesse são idênticos. Muito deles, da mesma família se sucedem por séculos no poder. Uma vez “mais progressistas” que os seus progenitores e outras vezes mais retrógrados mesmo. No entanto, as similitudes sociais, as afinidades psicológicas, as coincidências de interesses e objetivos que os unem são mais fortes, às vezes, que qualquer laço de parentesco. Outra descrição ou alternativa menos severa é que os políticos buscam o poder porque ele os capacita implementar a sua concepção do que é bom e justo para a sociedade, servir o povo ou ao país. Talvez educando as pessoas no processo, ou simplesmente implantando o que eles querem. Contudo, essa conduta politicamente ética, infelizmente nem todos os políticos possuem. Na realidade, a resposta para a questão do que os políticos buscam é ao mesmo tempo óbvia e irredutível a uma asserção simplista. Não haja dúvidas de que eles querem trabalho, posição, fama, influência, o exercício do poder, o ideal, a serem úteis e serem reconhecidos como tal, atividade, o desafio, a auto-imagem, a riqueza (mais difícil agora com a Lei da Responsabilidade Fiscal), os benefícios adicionais, etc. Isso os tornaria diferentes do resto da humanidade? Creio que não. As relações desses elementos entre si e com outras conseqüências conjuntas, causas conjuntas ou causa e efeito, e, com igual conseqüência, competem entre possibilidades. Portanto, separar as várias motivações e confrontrá-las muitas vezes não é um exercício relevante. Contudo, as razões pelos quais as pessoas se dedicam à política constituem uma auto-seleção que pode oferecer aos políticos uma mistura um tanto particular de motivações. Entre elas, as que conduzem a implementação dos seus projetos, ideais, bem como, as de cunho familiar ou simplesmente a busca de celebridade Há toda uma necessidade imperiosa de se fazer uma análise sobre este assunto numa dimensão humana em todas suas vertentes.

In "Palmensis Mirabilis" de João Portelinha

A FUNÇÃO DA COMUNICAÇÃO POLÍTICA

A comunicação política é o processo de transmissão pelo qual a informação política circula de um lado para outro do sistema político, e entre este e o sistema social. É um processo contínuo de troca de informações entre indivíduos e os grupos em todos os níveis. É, especialmente, uma troca de informações entre governantes e governados, de forma assegurar o seu acordo. Com efeito, todo e qualquer governante procura fazer aceitar as suas decisões e cada governado tenta formular e fazer tomar em consideração as suas necessidades. O acordo entre os dois termos não pode realizar-se a não ser pela comunicação, isto é, pela troca.

A comunicação política assegura a adequação entre os governantes e os governados por troca permanente de informações... Os governantes devem ser o eco das aspirações, das reclamações e das exigências dos governados; estes devem aceitar as decisões coercivas tomadas pelos governantes. Esta aproximação efetua-se por troca de mensagens dos governantes para os governados, mas também dos governados para os governantes.

A comunicação corresponde, portanto, a uma exigência fundamental do sistema político. “pode escrever-se que a comunicação política está para o sistema político como a circulação sanguínea” para o corpo humano, diz o cientista político Milbrath.

Quais são os suportes da comunicação? Por que meios a informação é difundida, veiculada? É possível distinguir, sobretudo três meios de comunicação. A comunicação pelos mass media. Quer se trate dos media impressos (imprensa, livro, cartaz, etc.) quer dos media eletrônicos (rádio televisão, Internet etc.). A comunicação pelas organizações também é importante. Como os partidos políticos que servem de ligação entre governantes e governados e os grupos de pressão. Assim, todos governantes elaboram uma decisão a partir do enxergam. Por conseqüência, a única maneira de influir numa decisão é atuando sobre as percepções daqueles que as tomam. A comunicação será, portanto, a única maneira de mudar ou de influir numa percepção. A comunicação por contatos informais é bastante importante nestes casos... Este modo de comunicação por relações “face a face” é essencial nas sociedades tradicionais. Mas mantém importância nas sociedades desenvolvidas, apesar do desenvolvimento dos mass media. Os mass media não atingem o púbico como um bloco indiferenciado, A massa na qual se cria a opinião comporta-se como se estivesse estruturada. Os seus efeitos fazem-se sentir por intermédio de certas pessoas que desempenham neste processo o papel de incentivadores e de ligação: os “opinion leaders” (os formadores de opinião ou os comandantes de opinião, como se diz nos EUA). Cada um deles influência os membros do “grupo primário” (família, grupo de trabalho, etc.) ao qual pertence.

Cada sistema político desenvolve a sua própria rede de comunicação política. Em função, por exemplo, das suas possibilidades e do seu desenvolvimento econômico. Porque há estreita relação entre o nível de desenvolvimento econômico e o nível de desenvolvimento dos mass media. Há, ao mesmo tempo, uma relação mais geral entre a comunicação e o desenvolvimento político. Isso porque as estruturas de comunicação social desenvolvem-se paralelamente aos sistemas políticos. Por outro lado, o grau de autonomia das estruturas de comunicação permite distinguir os sistemas liberais dos sistemas autoritários, procurando estes últimos controlar estreitamente a comunicação política para moldar a opinião pública. É por isso que a sociedade brasileira está muito atenta quando se discute qualquer coisa que se relacione com o controle dos meios de comunicação.

In "palmensis Mirabilis" de João Portelinha

AUTORIDADE OU LIBERDADE?

Assisti nestes últimos dias quase todas as palestras sobre educação ministradas por ilustres e diversos especialistas em educação. Apercebi-me, também, pelas questões apresentadas na ocasião pelos pais e professores que a preocupação maior seria se os organismos que se propõem cuidar da educação dos nossos filhos deveriam ter mais autoridade ou não. De fato, muitas vezes hesitamos, assumimos posições contraditórias e oscilamos de um comportamento para o outro. Na realidade, os pais sentem cada vez mais sua autoridade contestada, já não sabem se a devem abandonar ou acentuá-la. Apercebem-se da inadequação das modalidades anteriores da sua presença, mas não descortinam que modalidades novas as devem substituir. Em suma, pensam dever escolher entre a autoridade e a liberdade. Por conseguinte, para clarificar o “problema do melhor comportamento”, há que elucidar estes dois conceitos.

Aquilo a que se chama atitude autoritária é fácil de definir. É a que atua por coação, independentemente das suas modalidades, as quais variam em função dos países, épocas e, sobretudo, costumes de grupo, dos meios socioeconômicos e profissionais, da personalidade e da psicologia dos pais. Será, pois, mais ou menos regressiva, consoante os casos, e recorrerá a diversos tipos de sanções. Mas implica sempre que o pai exerça a sua “soberania” e não se preocupe com a adesão dos filhos às suas estipulações.

Aquilo que se designa por atitude liberal é igualmente simples de definir. É a que evita a imposição e busca a adesão. Mas pode exercer-se de formas muito variadas: entre a simples busca de uma atitude benevolente, que se esforça por evitar as sanções, e o extremo de uma posição libertária, há uma infinidade de graus e variantes. A própria “autodisciplina” envolve uma multiplicidade de modalidades possíveis. Se o principio é claro, as realizações resultam demasiado diversas para que a utilização imprecisa da expressão permita saber sob a que comportamento concreto corresponde.

Há que se acrescentar que a situação recíproca destas duas tendências é muito paradoxal. Com efeito, a atitude autoritária foi e continua sendo constantemente criticada. De Rabelais e Montaigne até à psicologia contemporânea, as suas insuficiências e perigos foram demonstrados com clareza. No entanto, apesar dessa argumentação, não foi adotada ou degenerou num abandono no qual alguns autores vêm a fontes de muitos males da nossa sociedade e tentam então reabilitar uma atitude autoritária. Ora, em todos esses debates, o problema é colocado em termos de escolha. Opõe-se uma educação pela liberdade e uma educação pela autoridade, como se uma e outra se excluíssem. Assiste-se a uma oscilação que leva, consoante os casos, a preferir uma à outra, e verifica-se o malogro de ambas. A meu ver, existe aí um erro de método, tanto do ponto de vista teórico com prático. Na verdade, na educação não se deve escolher entre liberdade e autoridade, mas sim entre tipos de autoridade e tipos de liberdade. Assim, a autoridade pode ser tirana, representando fraqueza, modo que certas formas de liberalismo. Estas duas formas de fraqueza encontram-se, por vezes, em momentos diferentes, no mesmo educador. Ao invés, existe uma forma de autoridade que emana do prestígio e, nessa medida, é suficientemente forte para reconhecer zonas de liberdade às crianças e adolescentes. Analogicamente, a liberdade pode ser concedida a estas. De forma gradual e deliberada, com fins lucidamente educativos. Pode também ser uma forma de abandono, de desinteresse a seu respeito, apresentar-se como solução de facilidade e provir então da negligência. Há, pois, diversas formas de autoridade e liberdade que se devem distinguir e analisar. Contentarmo-nos em opor os dois termos é superficial e enganador. É por isso que muitos debates educativos se mantêm verbais e insignificantes. Opõem-se conceitos que não têm a mesma significação para todos os interlocutores: há, portanto, que ultrapassar essa oposição. De resto, ninguém vive impunemente as delícias dos extremos, como eu costumo a dizer...

In “palmensis Mirabilis” de João Portelinha

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

domingo, 11 de outubro de 2009

A nossa representação política

É extremamente difícil fazer-se uma tipologia dos Partidos. No entanto a meu ver são possíveis duas noções de partidos: uma geral e universal, e, em certo sentido, material, considera o partido como a “qualificação de um movimento de idéias centralizado no problema político e cuja originalidade outra é suficientemente percebida pelos indivíduos, para que estes aceitem ver nele uma realidade objetiva independente dos comportamentos sociais”; outra noção, de caráter mais formal, prende-se à natureza do liame que reúne os indivíduos no partido e à delimitação de seus objetivos imediatos. Na verdade, extrema variedade de partidos torna bastante difícil a formulação de um conceito de validade universal, devendo-se concluir em face de cada caso concreto, e tendo em conta o respectivo sistema jurídico, se se trata ou não de um partido político. Quanto à natureza jurídica dos partidos, poucos autores sustentam que eles sejam pessoas jurídicas de direito privado. Inúmeros autores atribuíram aos partidos a natureza de entes auxiliares do Estado, ao afirmarem que são “entidades sociais tendentes a transformarem-se em entidades”. Na realidade os partidos são instituições dotadas de personalidade jurídica e situadas no âmbito do direito público interno. Apesar disso, entretanto, ao renovar a legislação sobre os partidos, o legislador brasileiro optou pela expressa qualificação dos partidos políticos como pessoas jurídicas do direito privado (Lei 9.096, de 19 de setembro de 1995, artigo 1). Quanto à organização interna os partidos, eles podem ser considerados: partido de quadros e partido de massas. Os partidos de quadros estão mais preocupados com a qualidade dos seus membros do que com a quantidade deles, não buscam reunir maior número de integrantes, preferindo atrair as figuras de notáveis, representativos das elites sociais. Esses notáveis são desejados, seja pelo seu prestigio, que lhes confere influencia sobre os eleitores, seja pela sua fortuna, que contribui para cobrir as despesas das campanhas eleitorais. Mais do que a quantidade de filiados, importa a sua qualidade. Os partidos de massas buscam o maior número possível de adeptos, sem qualquer espécie de discriminação, procuram servir de instrumento para que os indivíduos de condição econômica inferior possam aspirar às posições de governo. Para, além disso, os partidos se distinguem pelas suas opções políticas e ideológicas. Interessante é que em alguns casos independentemente das suas ideologias e sua vocação, por necessidade ou vantagens, agrupam-se em opiniões convergentes, criando-se uma força grupal capaz de superar obstáculos político- ideológicos e de conquistar o poder político. Foi o que aconteceu dia 08 de outubro com a eleição para governador do estado. Como se verificou, no momento de votar foram sempre os interesses que determinaram o comportamento do eleitorado (deputados), ficando em plano secundário a identificação do partido com determinadas idéias políticas. A par disso, os partidos são acusados pela sociedade de se terem convertido em meros instrumentos para a conquista do poder, uma vez que atuação dos deputados, neste caso, não condiz com idéias enunciadas nos programas dos seus partidos pelos quais foram eleitos pelo povo. No entanto, eu vejo vantagens... É sempre mais fácil governar sem oposição e nos demonstra a capacidade de articulação do novo governador! Gostaria de alertar aqui para um fato político importante. Muita gente pensa que as alianças que foram feitas agora que permitiram este “governo de coalizão” é uma estratégia para as eleições de 2010! É um grande erro pensar-se assim. Em 2010 há outros interesses; alguns partidos representados no governo estadual vão ter o seu próprio candidato a governador e também dependerá das alianças feitas em Brasília para as eleições presidências que certamente vão se refletir aqui e noutros estados.

sábado, 3 de outubro de 2009

A imagem é de um livro alemão de educação infantil

A EDUCAÇÂO SEXUAL DOS NOSSOS ADOLESCENTES

É sabido que as deficiências educativas dos nossos adolescentes são inúmeras e talvez o desfazamento entre a informação e a educação tenha hoje tendência para se acentuar. Ora, entre uma e outra existem grandes diferenças. A primeira exerce-se no plano intelectual, elucida sobre a estrutura anatomo-fisiológica da espécie humana e dirige-se, como que anonimamente, à inteligência. A segunda, ao invés, exercer-se no plano afetivo e moral e dirige-se à personalidade e consciência na sua intimidade.

É certo que a primeira é frequentemente negligenciada - muitos adolescentes, de ambos os sexos, acolhem com apreensão a sua própria puberdade. No entanto, nos nossos dias, muitos fatores concorrem para a informação: a liberação dos costumes, o espetáculo da rua, a preocupação de alguns pais e a Escola, contribuem muitas para isso, direta ou indiretamente. E esta difusão crescente da informação representa um progresso indiscutível. Mas isso não basta. Há também necessidade de uma educação que integre a informação na personalidade do individuo e lhe permita assimilá-la. Quanto maior e mais precoce for a informação, mais exige uma educação. Ora, é permitido pensar que muitos desconhecem a distinção dos dois domínios. Todavia, para que a educação sexual seja possível, impõe-se duas condições: em primeiro lugar, é necessário que exista entre o educador e o educando um entendimento suficientemente simples e confiante para que se possa estabelecer um diálogo que incida em questões reais; há igualmente necessidade da existência de um acordo, pelo menos virtual, entre eles sobre valores morais. A família, que seria o local ideal para essa educação, não a pode assumir se as citadas condições não forem satisfeitas. É por essa razão que a instituição escolar pública está mais bem situada para a informação do que para educação, devido a um estatuto que deveria proibir o corpo docente de impor uma moral qualquer ou rejeitar outra. Mas, hoje em dia, a precariedade de todo o acordo, o esboroamento das idéias em todos os domínios e, sobretudo, a incerteza de cada um perante convicções dantes bem arraigadas e solidamente reafirmadas são de tal ordem, que se tornou cada vez mais difícil satisfazer essas condições de assegurar semelhante tarefa, o adolescente se encontra só e sem possibilidade de diálogo, a não ser com companheiros aos quais se deparam com os mesmos problemas. A puberdade precoce também se reveste de incidências gerais sobre a personalidade no seu conjunto, na medida em que provoca uma maturação psicológica mais rápida. É só ficarmos atentos à propaganda televisiva que se esta fazendo sobre um lançamento de um livro sobre sexo, numa hora imprópria, que diz: faça sexo gostoso... É bom para todas as idades... O meu filho de cinco anos já me perguntou se também podia fazer sexo! Pai, é para todas as idades... Não ouviu na televisão? Essa maturação psicológica mais rápida que me referia, faz haver atritos com os adultos, porquanto o adolescente é levado a reivindicar rapidamente formas de autonomia que outrora, só mais tarde eram desejadas ou reclamadas.

Compreende-se, pois, o espanto das gerações anteriores que têm a recordação de só haver sentido ou manifestado muito mais tarde os comportamentos, atitudes e sentimentos que hoje detectam nos indivíduos cuja idade civil levaria a considerar ainda crianças. Esta surpresa, que se transforma em confusão, surge com nitidez na vida familiar, onde o assombro por notar tão cedo as características da adolescência e os sintomas da sua crise. Também se manifesta no meio escolar. Quando a puberdade surgia mais tarde e a escolarização era mais breve, os alunos eram essencial e quase exclusivamente crianças. Hoje elas cresceram mais depressa e contribuem para aumentar a massa de adolescentes e o volume de reivindicações, nomeadamente em matéria de orientação e de formação profissionais, de tempos livres e, de um modo geral, de integração na sociedade. Houve quem afirmasse que se situava aí uma das causas da delinquência. De qualquer modo, concebe-se bem o sentimento de revolta que provoca a impressão de ser tratado, mais segundo a sua idade civil do que em conformidade com a idade biológica, por educadores que não discerniram as modificações. Importam, pois, que estes últimos saibam adaptar-se à situação, cujos aspetos novos não descortinam suficientemente.

Há, entre a criança e o adulto, diferenças sólidas, “A criança” dizia Rousseau, “tem maneiras de ver, pensar e sentir que lhe são próprias, e não há nada tão insensato como pretender substituí-las pelas nossas”.

In “Palmensis Mirabilis” de João Portelinha

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Representantes das academias de Letras são recebidos no Palácio Araguaia

O governador Marcelo Miranda recebeu na tarde desta quinta-feira, 6, os presidentes das ATL - Academias Tocantinense de Letras, Eduardo Almeida, e da APL - Academia Palmense de Letras, João Portelinha, acompanhado do presidente da Fundação Cultural de Palmas, Pierre de Freitas, intermediador da audiência.

A reunião teve como objetivo solicitar o apoio do governo do Estado para a construção da sede da ATL e da APL. O presidente da Fundação disse que o terreno está sendo disponibilizado por parte do município e que o governo do Estado se mostrou sensível à causa dos escritores. Segundo Pierre, há muito tempo as associações se empenham para a construção da sede própria. “O governador foi muito receptível e sensível à causa dos escritores e demonstrou disposição em viabilizar a construção da sede,” disse.

O presidente da ATL, Eduardo Almeida, comentou que a proposta das associações em construir as sedes já está atingindo o objetivo, uma vez que o terreno já foi disponibilizado pela prefeitura, através da Fundação Cultural, faltando apenas a formalização. “A sede vai ser construída no Parque Cesamar, vamos unir literatura e arte à paisagem ecológica do parque”, disse Almeida.

O professor da UFT - Universidade Federal do Tocantins e presidente da APL, João Portelinha, disse que a comitiva saiu muito confiante da audiência. “Já esperávamos que a reunião seria positiva. O governador é uma pessoa que gosta muito de cultura, gosta muito da literatura”, disse o presidente.

Fonte: Secom

domingo, 27 de setembro de 2009

A FORMIGA E A CIGARRA

Era uma vez uma formiga e uma cigarra que eram muito amigas... Durante todo o outono a formiga trabalhou sem parar, armazenado comida para o inverno. Não aproveitou o sol, a brisa suave do fim da tarde, nem de uma conversa com os amigos a tomar uma cervejinha depois do dia de trabalho. Enquanto isso, a cigarra só andava cantando com os amigos nos bares da cidade, não desperdiçou nem um minuto sequer com o trabalho, cantou durante todo o outono, dançou, aproveitou o sol, desfrutou muito sem se preocupar com o mau tempo que estava para vir. Passados uns dias começou o frio, a formiguinha, exausta de tanto trabalhar meteu-se na sua pobre guarida cheia de comida até ao teto. Mas, alguém a chamou da rua e quando abriu a porta teve uma grande surpresa quando viu sua amiga cigarra num Ferrari e com um valioso casaco de peles.

A cigarra disse-lhe:

- Olá amiga! Vou passar o inverno em Paris. Podes cuidar da minha casinha?

A formiga respondeu:

- Claro! Sem problemas. Mas o que aconteceu? Onde conseguistes o dinheiro para ir a Paris, como comprastes esta Ferrari, e este casaco tão bonito e caro?

E a cigarra respondeu:

-Imagina lá, que eu estava cantando num bar a semana passada, como de costume, e um produtor gostou da minha voz... Assinei um contrato milionário para fazer shows em Paris! A propósito, precisas de alguma coisa de lá?

- Sim, - disse a formiga.

Se te encontrares com LA FONTAINE (autor da fábula original) manda-o à merda, da minha parte!

Tem-se presente que as relações de trabalho e o próprio trabalho em si, por um lado, humanizam a natureza, geram riquezas e socializam as pessoas; por outro lado, contudo, em muitos casos, também as degradam e fazem sofrer. Esse paradoxo é revelado de forma mais clara quando se apercebe que o trabalho libera e oprime, ou seja, que é desejado para satisfazer necessidades básicas e de consumo, mas que nem sempre aquele que trabalha mais vive melhor e tem seus sonhos de consumo concretizados! Aquela coisa de que o trabalho dignifica o homem e o enriquece nos faz “formiguinhas”. Geralmente as “cigarras” da nossa sociedade sempre se saem melhor que as “formiguinhas” da vida!

Assim, sabe-se que o (trabalhador) brasileiro fica - por força de relações de trabalho - privado de incontáveis momentos do seu tempo e/ou, às vezes – mesmo como dono do seu tempo – lhe faltam condições para dele usufruir, apesar de seu reconhecimento constitucional. Essa questão é fundamental, haja vista que tanto o trabalhador como o ser humano em geral têm necessidades vitais não apenas materiais, mas também imateriais, e a criação, o sonho, a alegria, o prazer, a felicidade – considerados componentes do tempo livre como lazer – são essenciais para a vida digna. Ressalta-se que a proteção a esse tempo livre conhecido como lazer está inscrita, no Brasil, na Constituição Federal de 1988, no Capítulo II do Título II, que trata dos direitos sociais. Assim, o artigo 6º menciona que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a providencia social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados. A palavra trabalho vem do latim tripalium, instrumento de tortura - instrumento constituído de três paus ou estacas com pontas de ferro utilizado pelos agricultores para baterem o trigo, as espigas de milho... Trabalho significou por muito tempo - ainda conota – algo como padecimento e cativeiro. Moral da história: Aproveita a vida, trabalha, diverte-te em proporção, porque trabalhar demasiado, sem lazer e às vezes sem o devido reconhecimento só traz benefícios nas fábulas de LA FONTAINE!

In "Palmensis Mirabilis" de João Portelinha