CONTRA FATOS NÃO HÁ ARGUMENTOS...
Ainda para completar o percurso aqui traçado por mim, que é de mostrar nuanças culturais dos países onde estudei e que, como é óbvio, pontilham as pequenas diferenças culturais entre estes, vou contar-vos um caso interessante que se passou comigo na Bulgária.
Estava no centro de Sófia, capital daquele país eslavo, e fiz parar um táxi para me levar à Devernitsa, cidade universitária. Perguntei ao taxista se me podia levar. Ele acenou-me com a cabeça dando a entender que sim, abri a porta do carro e me acomodei. Qual foi o meu espanto:
- Eu já disse ao senhor que não! Disse-me o taxista todo irritado.
- Pelo que me deu a entender, o senhor disse-me que sim quanto fez assim... com a cabeça – respondi-lhe fazendo o gesto com a cabeça;
- Senhor, cá na Bulgária, sim, é assim... (faz o gesto com a cabeça que corresponde ao nosso não) e não, completou ele é assim... (fazendo o gesto com a cabeça similar ao nosso sim).
- Desculpe-me senhor, só que em Angola...
Antes mesmo que eu completasse o meu raciocínio, disse-me:
- Drugário, samo tché, ni ci veuf Angola!!! (camarada, só que você não está em Angola).
Contra factos não há argumentos. Não acham?
≈ * ≈
Na Bulgária, ainda como estudante, viajei de férias a Angola com um búlgaro. De resto, búlgaros são até um povo muito jovial e simpático. Ao longo do percurso Sófia/Roma/Luanda, foi me dizendo que a beleza de uma cidade não estava consubstanciada apenas na beleza dos postais monumentalizados... Pois, este tinha em mãos um postal muito lindo do Banco Nacional de Angola, que é de facto uma grande obra arquitetônica colonial. E eu... sempre acenando com a cabeça do jeito deles, para dizer que estava de acordo.
E ele continuou...
... As cidades, hás-de convir comigo, João, reclamam por lugares limpos e arborizados como Sófia, que de facto estimulam no citadino a fome de viver e de espairecer dos seus cansaços diários...
E eu sempre concordando... Afinal de contas ele tinha total razão...
... Pois, como estava a dizer e ainda sobre a higiene, o vosso aeroporto de Luanda, que deveria ser o espelho da cidade, é um horror em termos de higiene: papéis por todo lado... até dá dó de se ver... – concluiu.
Disse-lhe que sim, era um facto, e que teríamos que pensar mais um pouco no nosso saneamento básico, dentre outras coisas...
≈ * ≈
Em Roma, no aeroporto, o nosso amigo comprou uma bicicleta para o filhinho que estava com a mãe em Luanda, pois o mesmo era cooperante em Angola. Depois continuamos a nossa viagem já rumo a Angola. Adivinhe o que aconteceu no aeroporto em Luanda?
Foi buscar a bicicleta no tapete rolante e ai mesmo começou a tirar os papéis de embrulho que o envolviam, espalhando por todo o chão..
Lembrei-me do meu aprendizado na Alemanha, com o caso dos fósforos. Apenhei os papéis e pu-lo nas mãos, fazendo-lhe lembrar o que precisamente ele me tinha ensinado ao longo da nossa estafante viagem. – Que o aeroporto era o espelho de uma cidade e que, como tal, devia-se preservar a sua higiene.
Entendi tudo, drugário (camarada). Faz o que eu digo e não faças o que eu faço. Não é?
In “Crônicas de Risos e Lágrimas” de João Portelinha
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