MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


quinta-feira, 10 de setembro de 2009

SOLIDARIEDADE MASCULINA AO EXTREMO

Eurípedes disse, certa vez, que era melhor estar três vezes em combate com escudo e tudo do que parir uma só vez!

Se a gravidez é felicidade para mulher, já não se pode dizer a mesma coisa do parto, que é complicado, sobretudo pelas dores que aumentam de intensidade, sendo, em princípio, espaçadas, reduzindo-se pouco a pouco os intervalos quanto mais se aproximam do seu término. Às vezes, para desgraça destas, o parto é acompanhado com eclampsia, que se manifesta por perturbações visuais e cerebrais, dores de estômago e, finalmente, tremores nos músculos da face, pálpebras e lábios, etc. Quer dizer, “dar à luz” não é fácil, Não é por acaso que as mães dizem que suas filhas que, quando forem mães, saberão certamente o que é ser mãe. Mas o meu propósito aqui não é alarmar ninguém sobre a “condenação” da mulher apregoada em Madéias: - Engendrarás na dor, disse Deus à mulher. Nem tão pouco fazer um tratado de medicina.

Em toda história da humanidade, sempre se pensou acabar ou pelo menos amenizar as dores de parto. E sempre também questionou-se o papel masculino, a participação do homem na geração da prole e a possibilidade de alguma solidariedade masculina para as parturientes.

Entre alguns índios, de acordo com o meu amigo professor Eustáquio Grilo, na altura em que a índia está de resguardo, o esposo fica em casa de resguardo também, podendo ser até mais radical, ou seja, mais próximo do repouso absoluto. Isto é, segundo o ilustre professor, talvez seja conseqüência da crença de que a boa gestão exige, digamos, o contínuo fornecimento de matéria-prima. O que, no caso, significa esperma e, por isso, implica manter relações sexuais diárias com a esposa grávida. Não é uma forma de solidariedade masculina?

Nas aldeias africanas, a gravidez é também um período carregado de tabus e mistérios. A grávida é influente e tem toda solidariedade e carinho, não só do marido, mas também de toda comunidade. Aqui o curandeiro dispõe de um aparato de variadíssimos recursos assistenciais e mágicos para libertá-la de um parto com dor. O engenho dos especialistas da magia parece tão inesgotável e variado que inclui no seu bojo uns tantos milongos (feitiço) para transferência das dores para o marido.

A minha irmã Etelvina resolveu a passagem da dor para o marido na hora. Quando estava a ter o nenê, mordeu decididamente o marido... e tudo ficou resolvido. Não foi preciso curandeiro nenhum...

Ao contrário dos índios, os maridos da sociedade tradicional africana, também por solidariedade, abstêm-se de toda relação sexual desde o começo da gravidez. E quando a esposa está a dar à luz, geralmente de cócoras, o marido deve sair de casa para que não ocorram influências mágicas perigosas. Caso sejam detectadas, devem ser contrafeitas com rapidez pelo curandeiro. Ao contrário do índio, que por solidariedade à mulher.

No Huambo, as aldeias são o lugar onde a cultura tradicional está mais arraigada. Quando o parto é difícil ou trata-se de um caso extraordinário, deve intervir imediatamente a parteira tradicional ou os ginecólogos tradicionais. Nestes casos quase sempre se imputa a culpa ao marido. Crê-se que geralmente estes males são ocasionados pela infidelidade masculina. A infidelidade paterna é sempre considerada muito nefasta. Nestes casos, a parteira implora-lhe que se redima obrigando-o, na presença da mulher, a dizer todas as amantes que já teve, pelo menos na fase de gestação, para que desta feita se facilite o trabalho de parto e, por força da retratação do seu pai, o bebê nasça bem. Outra forma de solidariedade masculina.

Um amigo meu esteve também numa situação bem pouco confortável. A mulher estava com dificuldades no parto e a parteira mandou-o chamar para dizer o nome das suas amantes. Como a lista era enormíssima, uma das suas tias sugeriu que então se fosse ao hospital, porque o infeliz nunca mais terminava com os nomes. A criança nasceu no hospital todo vermelhinho por ter estado tanto tempo preso à bacia da mãe – hoje chama-se Indo, fazendo jus à coloração avermelhada como nasceu.

Um caso, porém, pode ser considerado como exemplo extremo de solidariedade masculina. É um caso inédito que se passou no interior do Brasil, contado também pelo nosso amigo Grilo:

Na casa de uma família cabocla, havia três compartimentos: dois quartos, intermediados por uma sala. Uma parturiente estava num quarto a ter o bebê. Num dos pulsos tinha amarrado um cordel, o qual, subindo e passando por sobre os caibros, ia ter no quarto vizinho. Aí descia e tinha a outra ponta amarrada... adivinhem?... Lá mesmo, nos penduricalhos do marido. Conforme doía, a mulher puxava espasmodicamente o cordel e assim o marido sofria junto. Nos dois lados era um berreiro sem fim.

Haverá melhor exemplo de solidariedade masculina?

Oxalá que a moda não pegue, senão estamos todos fritos...

In "Sentir a Terra nas Vozes Populares" de João Portelinha

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