MEU ROMANCE

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O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ANA PAULA RIBEIRO TAVARES - POETISA ANGOLANA






Ana Paula Ribeiro Tavares nasceu no Lubango, província da Huíla, a 30 de Outubro de 1952. Passou parte da sua infância naquela província, onde fez os seus estudos primários e secundários. Iniciou o seu curso de História da Faculdade de Letras do Lubango (hoje ISCED-Lubango), terminando-o em Lisboa. Em 1996 concluiu o Mestrado em Literaturas Africanas. Actualmente vive em Lisboa, onde lecciona na Universidade Católica de Lisboa, encontrando-se a fazer o seu doutoramento.
Sempre trabalhou ligada à área cultural, tendo actuado como profissional em diferentes áreas da cultura como a Museologia, Arqueologia e Etnologia, Património, Animação Cultural e Ensino. Participou em simpósios, congressos, comissões de estudo e elaboração de inúmeros projectos da área cultural. Foi Delegada da Cultura no Kwanza Norte, técnica do Centro Nacional de Documentação e Investigação Histórica (hoje Arquivo Histórico Nacional), do Instituto do Património Cultural.
“A Huíla desempenhou um papel particular em «termos» de cheiros, sons, cores, canções que me marcaram muito do ponto de vista estético. Essa era procura. Por outro lado, eu vivi esse tempo no limite entre duas sociedades completamente distintas – e talvez não tenha conseguido compreender nenhuma das duas. Por isso tentei reflectir e escrever sobre partes de uma e partes de outra que me marcaram fundamentalmente. A Huíla, tal qual era na minha juventude, era o limite entre duas sociedades bem distintas: a sociedade europeia – é uma cidade com muitas características europeias: uma cidade de planalto, onde faz frio, e verde... E, por outro lado, uma sociedade africana que era ignorada pela cidade europeia.” In: Michel Laban. Angola. Encontro com Escritores. Porto, Fundação Eng. António de Almeida, 1991, II vol. p. 849.
É membro de diversas organizações culturais como o Comité Angolano do Conselho Internacional de Museus (ICOM), Comité Angolano do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS), da Comissão Angolana para a UNESCO. É também membro da UEA.
Tem poemas escritos em diversos jornais e revistas angolanos e internacionais como em Portugal, Brasil, Cabo Verde. As suas obras publicadas são: Ritos de Passagem (1985), O Sangue da Buganvília (1998), O Lago da Lua (1999).
Ao falar sobre a “Literatura angolana no feminino”, Inocência Mata refere-se à “maturidade que a escrita etnograficamente ritualística de Paula Tavares expressa... desde o título, passando pela significação do texto pictórico da capa o macro-poema de cada obra anuncia um intenso lirismos – poesia lírica no sentido de conter uma experiência individual e uma subjectiva postura mental perante a realidade do mundo.” Mais adiante a crítica literária diz: “há um apelo à imaginação, pelo recurso a imagens sinestéticas (Mistura de imagens sensoriais, como na poesia de Paula Tavares, principalmente na citação de frutos para simbolizar as características femininas)...” In: Inocência Mata. Literatura Angolana: Silêncios a Falas de Uma Voz Inquieta. Lisboa, Mar Além, 2001, p. 113, 116.
Desossaste-me
cuidadosamente
inscrevendo-me
no teu universo
como uma ferida
uma prótese perfeita
conduziste todas as minhas veias
para que desaguassem
nas tuas
sem remédio
meio pulmão respira em ti
e outro, que me lembre
mal existe
Hoje levantei-me cedo
pintei de tacula e água fria
o corpo acesso
não bato a manteiga
não ponho o cinto
VOU
para o sul saltar o cercado
Poema “Cerimónias de Passagem”. In: Paula Tavares. Ritos de Passagem. Luanda, União dos Escritores Angolanos, 1985, Cadernos Lavra & Oficina, 55, p. 30.
“A lírica de Paula Tavares reunida (incompletamente) em «Ritos de Passagem» coloca, logo desde esse título, o problema da feminilidade e, com ele, o problema de uma literatura feminina. Metaforicamente falando nos serve, também, para estudarmos a ‘passagem’ da literatura ainda formada no regime colonial à de poetas amadurecidos após a independência do país. Mas, ao apelar para tradições locais (e do Sul, neste caso), o verso da Paula Tavares reinsere-se clara e assumidamente na linha de cruzamento dos discursos «ocidentais» (da Europa e Estados Unidos, em primeiro lugar) com os africanos.” In: Francisco Soares. Notícia da Literatura Angolana. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001, p. 250.

ANA PAULA  prepara um doutoramento em

História.

Em Angola publicou Ritos de Passagem

(poemas),UEA, 1985.

Em Cabo Verde, Praia, O Sangue da

Buganvília, Crónicas 1998.

Na Editorial Caminho, Lisboa, publica O Lago da Lua, (poemas, 1999), Dizes-me coisas amargas como os frutos (poemas) 2001; Ex-Votos (poemas), 2003.

Em 2005 o romance Os Olhos do Homem que Chorava no Rio.

Tem participação com poesia e prosa em várias Antologias

em Portugal, França, Alemanha, Espanha, Brasil.

Publicou alguns ensaios sobre História de Angola.

Em 2004 foi-lhe atribuído o Prémio Mário António (para Poesia)

da Fundação Calouste Gulbenkian.








AMARGOS COMO OS FRUTOS




“Dizes-me coisas tão amargas como os frutos...”

Kwanyama



Amado, porque voltas



com a morte nos olhos

e sem sandálias

como se um outro te habitasse

num tempo

para além

do tempo todo



Amado, onde perdeste tua língua de metal

a dos sinais e do provérbio

com o meu nome inscrito



onde deixaste a tua voz

macia de capim e veludo

semeada de estrelas



Amado, meu amado

o que regressou de ti

é a tua sombra

dividida ao meio

é um antes de ti

as falas amargas

como os frutos




In Dizes-me Coisas Amargas como os Frutos, 2002







O LAGO DA LUA




No lago branco da lua
lavei meu primeiro sangue
Ao lago branco da lua
voltaria cada mês
para lavar
meu sangue eterno
a cada lua

No lago branco da lua
misturei meu sangue
e barro branco
e fiz a caneca
onde bebo
a água amarga da minha sede sem fim
o mel dos dias claros
Neste lago deposito
minha reserva de sonhos para tomar


In O Lago da Lua, 1999



A ABÓBORA MENINA



Tão gentil de distante, tão macia aos olhos
vacuda, gordinha,
de segredos bem escondidos
estende-se à distância
procurando ser terra
quem sabe possa
acontecer o milagre:
folhinhas verdes
flor amarela
ventre redondo
depois é só esperar
nela desaguam todos os rapazes.

In Ritos de Passagem, 1985


Ana Paula Tavares (Angola)



Galardoada com o Premio Nacional de Cultura e Artes, Edicao de 2007 com o livro "Manual para Amantes Desesperados"


Um comentário:

sonia disse...

Obrigada por compartilhar tanta beleza!
Grande abraço. Em divina amizade.
Sonia Guzzi