Nasceu em Benguela no ano de 1922. Foi para Portugal, a fim de continuar os seus estudos, concluindo o curso de regente agrícola, na Escola Nacional de Coimbra. Percorreu alguns países da Europa, ganhando a vida, por vezes, como empregado de restaurante. Considerado o primeiro grande cronista de Angola. Morreu em 1977, 17 anos após sua irmã, a poetisa Alda Lara.
Obra poética:Picada de Marimbondo, 1961, Nova Lisboa, Publicações Bailundo;
O Canto de Martrindinde e Outros Poemas Feitos no Puto, 1964, Lisboa, e. a.;
Seripipi na gaiola, 1970, Luanda, ABC;
O Canto de Martrindinde (inclui as três obras anteriores) , 1974, Lobito, Cadernos Capricórnio.
Caminhos de musseques
Caminhos dos musseques lá onde a areia entra pelos sapatos daqueles que têm sapatos lá onde o sol se filtra pelas fendas pelos buracos dos pregos dos tetos de zinco. Caminhos antigos. Caminhos antigos como o Mundo. A cidade empurrou os musseques e o cacimbo caiu mais de mansinho escondendo as figuras esguias e os rostos de chumbo. Lá onde a esteira cobre o chão varrido todas as manhãs lá onde a fuba substitui todas as claridades lá onde a cerveja escorre pouco porque não há dinheiro de comprar. Caminhos antigos onde a eletricidade começa a fazer circular “idéias estrangeiras” onde os motores dos carros acordam as madrugadas das crianças que antigamente ouviam passarinhos. As fendas, os muros, os tetos os buracos dos caminhos esboroando-se no passado alcatrão penetrando e desmentindo a mudança cimento e cal erguendo os muros cinzentos das fábricas saias lutando contra os panos das velhas telefone até. Nas almas... um grande vazio preenchido pelos merengues que vêm de fora. Lá – caminhos da vida Lá no mato. Lá no campo. Lá na floresta. Lá no estrangeiro. Lá onde se nasce, vive e morre todos os dias com kambaritókué ou sem ele com um lençol simples ou uma vala comum morrendo apenas é que tudo acaba. A vida tem de ser dignamente vivida. Vamos juntar as nossas cobardias os nossos sofrimentos as nossas ansiedades nossas angústias nossos sorrisos nossos sarcasmos a nossa coragem nossas vidas. Vamos Lá – no musseque – areais vermelhos onde passam os caminhos da vida e vamos dizer corajosamente às crianças que esperam o nosso exemplo que este quintal tem de ser estrumado com sangue adubado de sofrimento cultivado com as dores mangueiras anoneiras gindungueiros frutificando ao sol e ao luar para quê dizer mais versos que só o povo entende? (No reino de Caliban II - antologia panorâmica de poesia africana de ex- pressão portuguesa)
Picada de marimbondo
(Para o Pila – companheiro de infância) Junto da mandioqueira perto do muro de adobe vi surgir um marimbondo Vinha zunindo cazuza! Vinha zunindo cazuza! Era uma tarde em Janeiro tinha flores nas acácias tinha abelhas nos jardins e vento nas casuarinas, quando vi o marimbondo vinha voando e zunindo vinha zunindo e voando! Cazuza! Marimbondo mordeu tua filha no olho! Cazuza! Marimbondo foi branco que inventou... (Antologia de poesia da Casa dos Estudantes do Império - Angola e S. Tomé e Príncipe)
Infância perdida
(para o Miau)
Nesse tempo, Edelfride,
Com quatro macutas
A gente comprava
Dois pacotes de ginguba
Na loja do Guimarães.
Nesse tempo, Edelfride,
com meio angolar
a gente comprava
cinco mangas madurinhas
no Mercado de Benguela.
Nesse tempo, Edelfride,
montados em bicicletas
a gente fugia da cidade
e ia prás pescarias
ver as traineiras chegar
ou então
à horta do Lima Gordo
no Cavaco
comer amoras fresquinhas.
Nesse tempo, Miau,
(alcunha que mantiveste no futebol)
nós fazíamos gazeta
da escola coribeca
e íamos os quatro
jogar sueca
debaixo da mandioqueira.
Era no tempo
em que o Saraiva Cambuta batia na mulher
e a gente gostava de ver a negra levar porrada.
Era no tempo
dos dongos da ponte
dos barcos de bimba
dos carrinhos de papelão
Como tudo era bonito nesse tempo, Miau!
Era no tempo do visgo
que a gente punha na figueira brava
para apanhar bicos-de-lacre e seripipis
os passarinhos que bicavam as papaias do Ferreira Pires
que tinha aquele quintalão grande e gostava dos meninos.
Era no tempo dos doces de ginguba com açúcar.
Mais tarde
vieram os passeios noturnos
à Massangarala
e ao Bairro Benfica.
E o Bairro Benfica ao luar
O poeta Aires a cantar
(meu amor da rua onze e seu colar de missangas...)
Tudo era bonito nesse tempo
até o Salão Azul dos Cubanos
e o Lanterna Vermelha - o dancing do Quioche.
Foi então que a vida me levou para longe de ti:
parti para estudar na Europa
mas nunca mais lhe esqueci, Edelfride,
meu companheiro mulato dos bancos de escola
porque tu me ensinaste a fazer bola de meia
cheia de chipipa da mafumeira.
Tu me ensinaste a compreender e a amar
os negros velhos do bairro Benfica
e as negras prostitutas da Massangarala
(lembras-te da Esperança? Oh, como era bonita
[essa mulata...)
Tu me ensinaste onde havia a melhor quissângua
de Benguela:
era no Bairro por detrás do Caminho de Ferro
quando a gente vai na Escola da Liga.
Tu me ensinaste tudo quanto relembro agora
Infância Perdida
sonhos dos tempos de menino.
Tudo isso te devo
companheiro dos bancos de escola
isso
e o aprender a subir
aos tamarineiros
a caçar bituítes com fisga
aprender a cantar num kombaritòkué
o varre das cinzas
do velho Camalundo.
Tudo isso perpassa
me enche de sofrimento.
Diz a tua Mãe
que o menino branco
um dia há-de voltar
cheio de pobreza e de saudade
cheio de sofrimento
quase destruído pela Europa.
Ele há-de voltar
para se sentar à tua mesa
e voltar a comer contigo e com teus irmãos
e meus irmãos
aquela moambada de domingo
com quiabos e gengibre
aquela moambada que nunca mais esqueci
nos longos domingos tristes e invernais da Europa
ou então
aquele calulu
de dona Ema.
Diz a tua Mãe, Edelfride,
que ela ainda me há-de beijar como fazia
quando eu era menino
branco
bem tratado
quando fugia da casa de meus Pais
para ir repartir a minha riqueza
com a vossa pobreza.
Diz tudo isso a toda a gente
que ainda se lembra de mim.
Diz-lhes. Diz-lhes
grita-lhes
aos ouvidos
ao vento que passa
e sopra nas casuarinas da Praia Morena.
Diz aos mulatos e brancos e negros
que foram nossos companheiros de escola
que te escrevo este poema
chorando de saudade
as veias latejando
o coração batendo
de Esperança, de Esperança
porque ela
a Esperança
(como dizia aquele nosso poeta
que anda perdido nos longes da Europa)
está na Esperança, Amigo.
Edelfride, você não chore
saudades do Castimbala
nem lhe escreva
cartas como essa
que são de partir
meu pobre coração.
Nesse tempo, Edelfride,
Infância Perdida
era no tempo dos tamarineiros em flor...
(Antologia de poesia da Casa dos
Estudantes do Império - Angola e

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