APELIDAÇÃO E A “BURROCRACIA”
Apelidação é uma área especial da antroponímia e apresenta muitas afinidades com a hipocorística. A única diferença entre ambas é que, no caso desta, o nome é tirado do próprio nome da pessoa, como Jô de João, Kim de Joaquim, Tonecas de Antônio, Zé de José. O apelido, por seu turno, não tem nada a ver com o nome próprio da pessoa. Ele é aleatório, dependendo de características físicas, psicológicas ou de alguma circunstância geradora que pode ser de qualquer natureza. Uma pequena deformidade congênita numa das mãos gerou um mão de gengibre, uma estatura anormalmente alta pode virar espanador da lua, de cima, bambu vestido e por aí afora. Com nariz muito grande ou adunco, pode virar um Tchicuamanga, pássaro parecido com tucano ou mesmo tucano; um cidadão de voz muito gutural virou faca nas costas; um garoto de aspecto muito limpinho e bem-arrumado virou protocolo; um chato virou umbigo de cobra; um que ao ter de se trocar junto aos colegas de escola percebeu ter se esquecido de vestir a cueca virou vento a favor; um que alegou a beleza da lua para estalar um beijo na garota errada, virou lua cheia, um que vivia a queixar-se da sogra acabou ganhando o apelido de... sogra. Vê-se que a aleatoriedade não deve ser entendida como se no seu surgimento não houvesse nenhuma razão ou surgisse totalmente ao acaso. Não perguntei a nacionalidade deles, podem ser brasileiros, angolanos ou portugueses porque nisso também são muito parecidos. Inclusive culpa-se este último de ser o causador da burocracia, esta doença que dizem ser lusopática, desculpem-me lusoburocrática: O primeiro chamava-se Todo Mundo, o segundo Alguém, o terceiro Qualquer Um, o quarto e último Ninguém. Havia um importante trabalho a ser feito e Todo Mundo tinha certeza que Alguém o faria. Qualquer Um poderia tê-lo feito, mas Ninguém o fez. Alguém zangou-se porque era um trabalho de Todo Mundo. Todo Mundo pensou que Ninguém imaginou que todo mundo deixasse de fazê-lo. No final, todo Mundo culpou Alguém quando Ninguém fez o que Qualquer Um poderia ter feito. O grande escritor e humorista Millôr Fernandes assim define um burocrata: pessoa que vê um sujeito assassinado com um canivete suíço e só se interessa em saber como o assassino conseguiu a guia de importação. Não é sem razão.
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