MEU ROMANCE

MEU ROMANCE
O DIA QUE NGOLA DESCOBRIU PORTUGAL

ESCRITOR & PROFESSOR


segunda-feira, 7 de setembro de 2009




As duas cidades que amo!

No momento em que escrevo esta crônica... Chove. Aquela chuva de mansinho que inspirou os poemas de Fernando Pessoa e que me inspira neste momento. Lá fora escuto, caindo no toldo da minha varanda, as primeiras gotas de chuva de hoje. Logo outras gotas caem... Relâmpagos e trovões, confirmam um bendito aguaceiro que certamente teremos mais tarde, provavelmente à noite. Hoje de manhã quando abri a janela do meu quarto e respirei a gostosa lufada de ar puro e úmido enriquecidas pelo cheirinho da terra molhada que ainda alguns meses era seca, esturrecida com a estiagem, lembrei-me imediatamente da minha infância e das minhas travessuras e, concomitantemente, pensei no grande romance do escritor tocantinense Juarez Moreira Filho “Infância e travessuras de um sertanejo” onde ele retrata o mundo rural do sertão onde viveu experiências inesquecíveis da sua infância, numa visão nostálgica, cheio de saudades e antigas lembranças... “Nesta época de chuvas na fazenda Capa-Cachorro... A chuva caia forte, o vento derrubava árvores pelas raízes, trovão balançando a terra, tempo escurecendo, relâmpago clareando o carreiro e o gado molhado berrando estrada adentro...”. O autor ainda nos fala dos pássaros e dos macaquinhos que se viam aos magotes e que pulam de haste em haste perto da fazenda, dos veados campeiros, paca, tatu, cutia, antas, porco queixada, etc. Lembrei-me da minha casa, onde passei a minha infância, nesta época de chuvas, os passarinhos pulavam de haste em haste no nosso pomar. Das frutas silvestres que surgiam neste tempo chuvoso. E lembrei-me do jardim perfumado da nossa casa, cujo florir nós festejávamos... Embora por vezes fortes e violentas, as chuvas são, digamos, efêmeras, lindamente efêmeras, raramente duram tanto tempo. Violentas como vieram cessam suavemente. E surgem esplêndidos arco-íris colorindo os céus. Em Palmas também é assim. As chuvas vêm violentas pousam nos telhados das casas e no chão devagarinho... Suavemente... Com delicadeza... Como “a curva do pescoço de uma gazela”, parafraseando o poeta Agostinho Neto. E deixa-nos, ao sair, a beleza do arco-íris que tem às vezes um toque surrealista, como certa vez em que parecia nascer em nossa casa, como milagre ou, quem sabe, uma “bruxaria”. O que incomodou sobremaneira minha avó Tchirombô Ngola II, filha de Soba, que se pôs a dar explicações esquisitas, mas que eram ricas e belas, por serem tiradas de nossas ricas e belas tradições populares. Tanto em Palmas como no Huambo e “nos sertões bravios do Norte goiano” que nos retratou muito bem o escritor Juarez Moreira Filho, ou melhor, “cabra da peste”, treinado nas dificuldades do sertão, para, afinal, vencer... As chuvas são o bom tempo, contrariando o título do livro: “a chuva e o bom tempo” de Charulla de Azevedo. Porque tanto cá como lá ela é a dádiva que ajuda a embelezar ainda mais as duas cidades que eu amo e que para mim são gêmeas. O horrendo cromo e ocre da paisagem se transformam no mais exuberante dos verdes e encantam os seus habitantes huambensis e palmensis... É o contrário das chuvas que abundam noutras paragens – onde arrastam, destroem e humilham e onde são recebidas com desconfiança pela população por tumultuar a vida; onde o habitante só de pensar que, daí a meia hora pode, quem sabe a bordo de uma canoa, com as suas “tralhas” às costas, ter que buscar um porto seguro, talvez na próxima esquina. Aqui e lá é diferente, ela é alegria, é a esperança, é a fartura, é exuberância, é a calma... É uma promessa de primavera – que toda gente adora. Ela começa de madrugada e nos inunda o coração, a existência se exalta, e as tensões diminuem e o futuro dá uma piscadela marota prometendo amanhãs melhores para as duas cidades que eu amo de paixão. Perguntaram-me numa entrevista por que estou em Palmas há muito tempo... Simplesmente porque amo Palmas como amo Huambo, a cidade mais linda do universo!

Como habitante de palmas, agradeço o meu amigo o Prefeito Raúl, por saber cuidar muito bem da nossa cidade! Enquanto chove lá fora... Tomo um bom café, como um bom milho assado e termino esta homenagem a nossa linda cidade...

In "Sentir a Terra nas Vozes Populares" de João Portelinha

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